Escrevo isso para quem se sente sozinho, para quem sabe que esse sentimento nos faz maior; para quem sabe que a tristeza, a constante tristeza, condiciona a mente às melhores inspirações possíveis, mesmo que não as tenha.
Escrevo isso para quem não se encaixa com os outros, para quem não é entendido, para quem possui ideias que não cabem na cabeça. Os pensamentos fartos chegam, as inquietações tornam-se frequentes até que alguma conclusão seja tomada; até que uma fumaça invisível denota a devastação do cérebro poético.
Olho para o lado, e o que vejo são só os retalhos do que não me lembro. Apenas a destruição que envaidece as sensações ruins. Decerto, estou farto de sensações ruins, com o sentimento inepto e ineficaz de ficar de braços cruzados diante a tantas coisas erradas.
Outrora era tão revestido de inocências mundanas, hoje nem sequer sei o que essa palavra significa, nem tampouco consigo ver alguém que as esteja trajando, tendo uma certa idade no semblante. Já não me alegra compartilhar coisas simples: coisas como versos, coisas como almas…
Diante disso, tenho que me contentar em ser mais um diante da multidão, tendo que aturar erros grotescos de adultos inúteis. Não que eu não erre ou que seja perfeito, mas é que há um limite para continuar persistindo no erro.
Sinto, apesar de tudo, que não me encaixo em lugar nenhum, em coisa alguma. Talvez por ser introspectivo, ou talvez por ser tolo demais, arrogante demais para reconhecer que não sou diferente em nada, e que erro mais ainda do que vejo; ou que seja cego, cheio de egos… mas não, não creio que a cegueira seja tão cega assim.
O que me resta é ser a completa descrição do poema ‘Autopsicografia’, de Fernando Pessoa:
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
Fernando Pessoa