Lembro-me agora, também, de uma peça de teatro que fiz. Sem embasamento teórico nenhum, arrisquei criar algo novo, criando novos horizontes criativos na mente de poeta. Nascia assim, mesmo que de maneira ofuscada, O Trágico Romance.

CENA I, II e III

PERSONAGENS:
POETA E FLORBELA

CENA I

Havia rumores por toda a cidade que dois desconhecidos conversavam por meio da carta, reza a lenda que o poeta avistou a bela moça e de repente se encantou, as palavras de seu peito não soaram e o tempo estava chuvoso. Eis a carta que restou de um amor sublime que nunca existiu.

POETA: Vi-te hoje pela primeira vez, foi como se as rosas entrelaçassem meu coração perante os espinhos. Estavas caminhando nas veredas de meus olhos, e na hora sonhei contigo nas profundidades de minha alma. Meu coração quase não resiste, e eu queria ver-te outras vezes para ao menos recarregar minha ilusão, que está naufragada com tanta beleza.

FLORBELA: Quem és tu? Diga-me, não lhe conheço! Estou surpresa com isto, nem sei como é o seu semblante, nem sei de onde és, como fizeste para descobrir meu endereço?

POETA: Nada importa, nem que seja necessário mil anos para conquistar-te (nem que seja pela carta), irei conseguir! Meu rosto é devastado por uma queimadura, e vivo nas sombras do mundo, vivo apenas com o que escrevo, vivo apenas com a solidão, e digo-te que ver-te foi o combustível para prolongar um pouco essa miserável e anafada vida.

FLORBELA: Como assim? Não estou entendendo. Você deve ser um impostor, mentiroso que quer apenas algum de meus bens. Não me venha com esta conversa, nem queira enganar-me, pois já tenho alguma experiência de vida, e algo me diz que não devo confiar em ti, não tenho como saber se estás a mentir.

POETA: Entendo-te perfeitamente, e irei lutar para conquistar-lhe, por mais que eu seja desconhecido, peço apenas que não deixe de responder-me, com o tempo criarei coragem de aparecer em tua frente para ao menos dar-te uma flor, ou algo que mereças.

FLORBELA: Estou confusa, minha mente está girando, estou empalidecida de tanta dúvida, estás a me enganar?

POETA: Não, o tempo irá dizer, hoje vi-te na frente do palácio com aquele longo vestido, certamente que sua família nem deixaria que tivesses contato com gente como eu. Mas insisto: o tempo há de responder todas as suas perguntas, só lhe peço um pouco de paciência, acredito que algo nos uniu nesta carta, se não fosse isto, nem terias recebido minha carta.

FLORBELA: Diga-me ao menos seu nome, não me deixe amordaçada em meus próprios, ao menos tente fazer algo para que eu saiba quem és, onde vives, onde trabalhas. Conteme.

POETA: Preciso dizer-lhe por meio de um soneto qual sensação tive ao ver-te hoje sentada à varanda de seu quarto; escrevi isto no pôr do sol, e teus olhos estavam fixados no horizonte.

FÜR BLUME

Estás a olhar-me no polor da armadilha,
Alçando-me o peito do fragor acachapante,
A tez dos teus olhos, a acácia mais errante,
O ósculo perfeito, indolor que exaspera a lira.

Das perfídias cáusticas do teu riso,
A prole da tempestade vigente no esboço;
No rosto refletido no espelho o resquício
Dos tempos em que meu verso, a ti era posto.

As lágrimas da chuva secam teus olhos escuros,
A aurora da madrugada leva-me ao pensamento,
E dele, resgata teu desejo do abismo mais puro.

Ouves levemente a voz cálida de minh’alma Confortando-te a agonia desta noite sem vida:
Encontrar-nos-emos um dia, em paz, no silêncio.

FLORBELA: Nossa, ninguém nunca escreveu algo tão bonito para mim, estou encantada com estes versos, e estou guardando uma vontade louca de te ver. Já faz um mês que estamos a conversar e aguardo ansiosamente cada mensagem.
Quando poderei te ver?

POETA: Querida pétala de flor, devo dizer-te que foste a melhor coisa que aconteceu em toda minha vida, meus dias eram tristes, eu sou um rapaz solitário e sem vida, mas confesso que me deixaste enlouquecido, ontem sonhei que estava dando-te um ósculo obscuro, e que tu me olhavas com uma volúpia incondicional, mas quando minhas mãos estavam para escrever uma poesia, acordei. Devo dizer-te que ainda ficaremos assim por um tempo, estou inseguro e angustiado, quando nos vermos não saberei o que fazer senão esconder-me atrás das árvores do campo.

FLORBELA: Não se preocupe com isto, estou começando a gostar não de tua aparência, mas da forma como me tratas, será difícil para mim, pois meu pai já tem alguém para casar comigo, e eu não gosto desse alguém, fugirei no dia do casamento.

POETA: Irei te proteger custe o que custar, caso isso aconteça te darei o amparo preciso, devo desfazer-me dessa covardia e lutar para te ter como o ar que respiro.

FLORBELA: Ah, que saudade que eu estava de receber sua carta! Por que demoraste para responder-me? Aconteceu algo de errado? Devo contar-te algumas novidades: quero conhecer-te noutra semana, dê-me teu endereço que irei à noite para encontrar-te.

POETA: Não posso dizer-te onde vivo, mas se quiseres ver-me à noite, estarei à estreita da floresta, às 23:45. Estarei com um capuz para esconder meu rosto, mas farei uma surpresa, acredito que irás gostar. Para não perder tanto tempo, irei esperar-te sexta-feira, neste mesmo horário.

FLORBELA: Estarei lá, estou ansiosa para que este dia chegue, irei também encapuzada para que ninguém possa me reconhecer, sairei às 23:30 aqui de casa, assim chegarei no horário.

CENA II

Havia chegado o grande dia e Florbela saiu lentamente de sua casa em busca do Poeta Desconhecido, caminhou o mais rápido que podia, a noite estava poética, o luar estava refletindo as estrelas, parecia que a melodia da melancolia pairava no ar; de repente ela avisou um rapaz de preto, alto e magro, a escuridão rodeava lhe o semblante, e escondia parte do rosto, restando-lhe apenas os lábios à mostra.

FLORBELA: Então, você é o poeta?

POETA: Sim, querida! Minh’alma congelante apenas tem uma lareira que se acende ao verte, és o oxigênio dos meus versos, guardei algo para ti, tome esta flor que tem o seu perfume e combina com a delicadeza de teu límpido e sublime rosto.

FLORBELA: És muito romântico, isto combina comigo, há tempos eu buscava alguém que me tratasse deste jeito, há tempos eu andava sozinha e um pouco triste, e de repente você chega e muda tudo isso, é algo mágico, é algo que somente Deus pode explicar.

POETA: Minha voz falha todas as vezes que penso em teu nome, eu tenho um violão, ele está guardado ali atrás da árvore, eu fiz uma música para ti.

Neste momento o poeta pegou o violão e calmamente, como num suspiro começou a toca para sua bela amada, era em ritmo de violão clássico, como se fosse um prelúdio de Chopin, a letra da música dizia o seguinte.

Um dia te encontrei em meus olhos,
Olhei para a escuridão e senti
O que estava no esboço do rir:
Era os teus que encantavam,
Os pássaros, contentes, cantavam
O restou, do tempo, de mim.

Logo vi que o pôr do sol
Vinha com o reflexo de teu rosto
E os sonhos alegravam-me no gosto;
Alegravam-me como há dias choraram,
Como em instante quase naufragaram
Nas montanhas de tua pele, de teu corpo.

As lágrimas caíam lentamente das fontes de Florbela, estava encantada, aquela melodia era tão bonita, parecia que tinha caído do céu, logo suspirara lentamente.

FLORBELA: Isso é muito bonito, estou sentindo algo diferente por ti sem nem ao menos ter visto teu rosto, sem nem ao menos conhecer-te, sem nem ao menos conviver contigo, parece que estou vendo o passado se repetir, sinto-me num conto de fadas, e você é meu príncipe encantado, está para se tornar meu porto seguro. Isto tudo é muito lindo, tudo muito mágico, tudo muito profundo.

POETA: Só a possibilidade de te ver já restaura minha mente, estou aqui, mas minha alma está nas alturas, em algum lugar do infinito. Quero te fazer a dama mais feliz, quero construir contigo uma família.

FLORBELA: Que lindo, acho que estou a te amar!

POETA: Eu também.

Ainda teve alguns momentos de fervor, ali mesmo eles quase fizeram o primeiro filho
(brincadeira)…

POETA: Quando podemos nos ver outra vez?

POETA: Por que não me respondes?

POETA: O que aconteceu?

FLORBELA: Desculpa, amor. Meu pai descobriu que nos encontramos e não me deixou mais sair de casa, trancafiou-me por horas. Não sei quando irei te ver novamente, mas saiba que eu te amo muito.

POETA: Faz dois meses que eu não falo contigo, estou destruído por dentro, não sei o que pode acontecer, não sei se irei aguentar essa saudade que corre em minhas veias.

FLORBELA: Não estou conseguindo responder a tempo, estão me vigiando. Hoje faz um ano que nos conhecemos e eu te amo mais que qualquer coisa. Vou fugir sábado.

POETA: Irei te esperar no mesmo lugar, amor.

CENA III

O fatídico dia chegou, houve uma fuga muito grande, Florbela sumiu rapidamente, passou despercebida por todas as passagens do castelo, estava na ansiedade, mas quando ultrapassou a porta, alguém a pegou, e de repente seus olhos fecharam violentamente. Acordou no outro dia e já mandou uma angustiante carta para seu desconhecido amado.

FLORBELA: Desculpe-me por não ter ido ontem, descobriram a fuga, eu desmaiei e acordei agora. Estou chorando muito, queria ver-te mais que tudo, não sei o que vou fazer para te ver.
FLORBELA: O que aconteceu, por que não me respondeste?

FLORBELA: Desculpe-me, imploro: já se passou um mês e você não me responde. Não consigo viver sem ti, sinto-me vazia sem ti, amo-te de uma forma imensurável.

FLORBELA: Dois meses já se passaram, estou muito triste, não sinto mais felicidade.
Onde estás?

Florbela viu que os soldados estavam distraídos e fugiu à procura do desconhecido poeta. Foi quando avistou um pequeno movimento de pessoas, mas continuou a caminhar. A curiosidade corroeu-lhe a mente e ela fora perguntar o que tivera acontecido. Logo desesperou-se, caiu ao chão: um escritor local que havia sido brutalmente assassinado, o poeta desconhecido, estava sendo enterrado, e totalmente esquecido.
A moça então correu e foi buscar refúgio no mesmo lugar onde havia se encontrado com o rapaz, e sentada ali lembrou de todos os momentos, lembrou das cartas, lembrou de tudo, e enquanto estava em soluços, com o rosto todo vermelho, percebeu que na árvore estava escrito:

“Florbela, eu não sei se ainda conseguirei viver, mas saiba que eu te amo mais que tudo, o exército de seu pai está me caçando, mas eu estou lutando por você, eu te quero mais que tudo, e tenho fé em Deus que irei conseguir, lutarei bravamente. Digo-te apenas que se algo de ruim acontecer, sempre estarei ao seu lado, meu amor. Nunca me senti tão vivo, deste-me motivos para tudo, até para acordar. Portanto, um dia irei mandar-te uma carta para que aceites finalmente casar-se comigo.”

FLORBELA: Por que isto está acontecendo? O que eu fiz de errado? Por quê? Por quê?
Meu amor, seja onde você estiver, agora estarei indo à tua direção. Seremos felizes na eternidade.

Havia rumores por toda a cidade que dois desconhecidos conversavam por meio da carta, reza a lenda que o poeta avistou a bela moça e de repente se encantou, as palavras de seu peito não soaram e o tempo estava chuvoso. Eis trágico fim de um amor sublime. No entanto, Florbela caminhou lentamente em direção ao rio, e se matou. Agora iria em busca de seu amor, e tentaria desta vez, ver o rosto do poeta que tanto amava.
Lembro-me bem das sensações que tive ao escrever este roteiro. Era como se realmente tivesse reunido diversas cartas de amor de épocas distintas. O que mais chama atenção na história acima, é que parece algo tão real, tão intenso, tão profundo.
Ter esse tipo de sentimento é muito importante para quem quer manter viva a imaginação. Aliás, a imaginação é o que mantém qualquer ser humano entretido diante a várias confusões que acontecem no mundo; é a virtude mais poderosa de uma criança.

 
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