As palavras possuem poder de mudar tudo que existe. É por meio das palavras que construímos novos horizontes, que erradicamos inexistências. Embora não entendamos o que muitas delas querem dizer, sentimos a energia passada por elas.

Recordo de um poema que fiz há algum tempo, que diz o seguinte:

Almas do deserto, do deserto de solidão,
Do desterro que me vem na manhã,
Nas longínquas possibilidades enterradas
Sobre o vale triste, indescritivelmente afã,
Que se debruça sobre toda alvorada.

Vou caminhando, sem rumo, nas rochas,
As pedras tropeçam pelo airoso caminho
Que me restringe os mais abruptos passos
Reprimidos pela imensidão e pelo calor
Indissolúvel das águas dos moinhos.

A sequidão da floresta se assemelha
À escuridão da mente, ao inebriante
Brilho que ofusca toda consolação
Que me vem em dias adversos,
Que me vem em horas de devastação.

Mas continuava a caminhar pela linha
Tênue e abstrata das nuvens invisíveis,
Sentindo os ventos se esgueirarem nos céus,
Que me abraçavam em formatos hexagonais,
Tornando-me seis partes desoladas e desiguais.

Cada parte era uma história, uma melancolia
Obtusa, imprescindível nas horas de dúvida;
Uma obscura e inigualável sensação de saudade,
De momentos esparsos e proibidos, mesmo que
No subconsciente presente na tempestade.

Uma batida forte na mesa suja dos bêbados
Sem expectativa nenhuma da vida:
— Qual vai ser o seu pedido, poeta?
Ao olhar o cardápio, uma metafísica
Sublime se contrapunha à lírica.

Há uma metafísica no que se pode beber,
No que se pode fumar, e no que também
Não se pode fazer nada disso com o
O medo obliterado de perder-se a essência,
A saúde inexplorável, esvaindo a existência.

Eu estava no meio de tudo isso,
Isolado sobre dispersas possibilidades
Inúteis de minhas esperanças fartas
E torpes e lúcidas, tão lúcidas como a razão
Da porta de entrada para o abismo de loucura.

Sem nada para esconder, o rosto cortado,
A vista embaçada pela poeira do ambiente.
Tudo parecia cinza, sem vida, pois de vida
Apenas tinham restado as sombras sobre o chão,
Junto ao canto fúnebre dos pássaros silenciosos.

À rua, tudo parecia mais vazio ainda,
Andava como se tivesse em outra dimensão.
Talvez fosse retalho de uma fantasia
Ou de um sonho qualquer, ou um
Pesadelo a se esquecer em vão.

Alguns quarteirões passaram,
Quando vi uma multidão espalhada
No beco que ligava minha casa
À avenida principal da cidade.
Que faziam lá sem minha permissão?

Ao chegar lá, ouvi gritos desolados,
Murmúrios intensos, pedidos de perdão.
Qualquer coisa como tudo, como nada,
Como insignificante e tardio arrependimento
Irreal do que se mostrara na contramão.

Em choque, vi-me no caixão, ao menos
Estava com a roupa que pedi ontem.
Mas que raiva que aquele desalmado
Não está colocando a emoção necessária
Nesse simples poema que pedi pra narrar.

Que custa entonar um pouco mais a voz?
Que custa pausar um pouco a leitura?
Não respeitam nem os mortos mais.
Que serei agora senão bem lido?
Lembrado? Talvez nunca mais!
Amado? Talvez só por minha mãe…

Bom, agora vou citar meu próprio
E digníssimo e profundo poema,
Ao menos para acalmar esta raiva,
Este desrespeito inescrupuloso
E indescritível em palavras calmas.

E puxou do fundo da memória morta,
Os seguintes versos que fizera
Momentos antes de partir:

Se por um acaso eu partir
Que ao menos as lágrimas não caiam,
Que o peito não se aperte de amargura,
E que a alma não se torne escura
Como os olhos que desmaiam.

Que não deixe um poema inacabado,
Que consiga abraçar quem amo.
Quiçá, que veja a luz do dia
E que não me cegue com a dor
Que ofusca a mais sublime ventania.

Que não esteja estirado na cama
Ou no leito solitário, na floresta espúria
Que me vem ao rosto dilacerado.
Que não me encontre ao abismo,
No cálice de fogo despedaçado.

Que veja a imagem das lembranças,
A imagem do que inventei…
E que nesse momento, relutante,
Alguém toque em meu rosto, e diga
Que não devo deixar a vida.

Minha mãe, olhando em meus olhos,
Deve sentir orgulho do que sou,
Deve lembrar-se dos planos,
E agora das tristes cinzas
Do que de mim restou.

Que ao menos eu esteja preparado,
Que não sofra nos últimos minutos
Como um enfermo poeta
Que nem sequer sabe fingir
O sentimento lhe arranca o existir.

Que ao menos dê tempo da última palavra,
Do último verso, do último pensamento,
Do último beijo à mulher amada,
Do último abraço aos gatos que, nos cantos,
Estão a ver os últimos momentos de minh’alma.

Que no ambiente, ao menos no metafísico,
Esteja a soar uma melodia de Beethoven
Junto a um noturno de Chopin:
Isso, quando chegar a noite,
Quando debater-se a última louçã.

Nessa hora, quero despedir-me de todos
Como em uma carta a preencher-se
Com o último beijo, o último delírio,
A última lágrima, os últimos versos,
Os últimos abraços, suspiros… grito!

Nessa hora, a poesia irá tomar minha forma
E estarei presente nas mais profundas palavras.

Choram as rosas, choram os veleiros,
Choram os vermes que irão se alimentar
Da carne pútrida, mas ao menos se servirão
De poesia, de inspiração; talvez nem mais
Se sintam sujos, ou tristes, ou incompreensíveis.

Ou talvez, quem sabe, não saberei
Como juntar meus cacos para partir,
Não sei o que faço agora, talvez escreva?
Bom, se houver algum tipo de matéria,
Continuarei escrevendo, revivendo, até ir.

Como se eu caminhasse pelo vale,
O vale das águas tempestuosas,
O vale das mentes envaidecidas,
O vale das almas tortuosas:
Assim estava eu naquela floresta
Inacessível da mente que não existe.

Assim estava eu na fonte dos passos
Que nem sequer estão defronte aos meus.
Assim obtive-me diante ao percalço
Desta vida que, ao menos em nobre
Pele embelecida, ainda sonha com
Uma força inexplorada no espaço.

E neste espaço, vou caminhando pelas
Trevas vazias das tardes de outono,
Onde nem sequer outono há na fonte
Das árvores que invalidam o plano
Que me vem diante à gota de orvalho,
Que dobra à esquina do profundo oceano.

Palavras confusas, gritos dispersos,
Lamúrias ouvidas neste fim de mundo…
Ah! Que imunda forma de enaltecer
Este vazio que habita no peito sonhador,
Que habita na superficialidade do céu
Azul, que de tão azul, torna-se dor.

Este laço que me mantém de pé,
Torna-me vivo e tão morto quanto o sol,
Torna-me seco e tão profundo quanto
A raiz de um galho de uma folha
D’árvore esbelta, que de tão esbelta,
Afunda-se na irretocável terra tola.

Irrespondivelmente responde às flores,
Aos pastos cheios dos campos de areia,
Aos incautos e lúcidos plantios de estrelas:
Da estrela do amanhã, da estrela da tarde…
Sequer estrelas, sequer brilho, quiçá nada
A tocar a irretocável fuga do pranto alegre.

Se ao menos soubesses, se ao menos visses
As paragens do que imagino n’alva do rio…
Quem sabe dirias a si mesmo (num sussurro)
Que sou alguém, não o protótipo de ninguém
Que só é alguém se houver uma camada
De mentira para ir, quem sabe, mais além.

Sou aquele que sente toda insensível voz,
Toda irreprimível palavra dita ao fel,
Toda melancolia do soar de uma gota
De chuva que cai na pálpebra dos meus olhos
Validando a tristeza que se deságua, por vez,
Na incerteza de ser o que se está em destroços.

Como se eu caminhasse pelo vale,
O vale das sombras desalmadas,
O vale das mentes enaltecidas,
O vale das bastardas e honrosas
E voluptuosas e onipresentes
Camadas cálidas e sofridas…

Assim estava eu na fonte dos passos
Que nem sequer são sublimes…
Assim obtive-me naqueles dias esparsos
Desta vida que, ao menos em nobre
Calma florida, ainda sonha com a
Força inexplicável que foi interrompida.

Bom, um poema um tanto inacabado…

 
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