A porta entreaberta deixava um feixe de luz esboçando uma pequena janela. Lentamente, José a abriu, rangia de tão antiga. Sobre a cama, uma mulher com suas vestes sujas e destroçadas; estava acorrentada, e seus cabelos extremamente longos cobriam seu rosto.
A cada passo, um suspiro. Ele tentou chamar atenção da mulher, mas não acordava. Leves toques foram dados, e um susto foi presente.
— Quem é você? — perguntou a mulher. Ela era bem idosa, seu rosto era tomado por cicatrizes, era cega de um dos olhos e dos dentes só sobraram cinco.
— O que aconteceu com a senhora? — perguntou José.
— Ele me mantém prisioneira há cinquenta anos, desde que eu tinha exatos vinte anos de idade. Desde lá nunca consegui sair daqui.
— Mas por que ele ainda lhe mantém presa aqui?
— Eu quase o derrotei, deixei-o fraco, quase saí de Diamantina. Você não pode estar aqui, veja o que ele faz com as pessoas.
Nesse momento ela apontou para uma porta, José aproximou-se, e ao abrir, sentiu o horror. Tratava-se de uma imensa sala cheia de corpos podres, era até difícil contar quantos tinham, era um poço de corpos humanos. Aquele som infernal foi ouvido, aquelas unhas passando pelos móveis denunciavam.
Um estrondoso passo era dado nas escadas, e um tremor era sentido.
— Esconda-se, ele está vindo! — Onde?
— Aí dentre os corpos, rápido!
Cada passo ficava cada vez mais perto, uma sinfonia de destruição, o eco dos passos amedrontava qualquer pessoa, suas patas sempre contrastavam com a madeira. Os corpos em decomposição (em contato com o de José) deixava-o pensativo se aquele iria ser seu destino. Teria de controlar sua respiração se não quisesse ser descoberto.
Mariana entrou no quarto e José estava apagado, mas respirando e se movimentando lentamente.
— Tudo está tão pesado e cansativo, coitado de meu irmão. O que fizemos para merecer tudo isso? — pensou.
Enquanto isso, Anton estava a dar uma bebida para a mulher, e sentiu um cheiro diferente.
— Quem esteve aqui? — perguntou Anton à mulher.
— Ninguém, senhor…
— Estás mentindo, diga logo!
— Não, senhor, ninguém veio aqui.
Anton pegou o chicote que estava em seu bolso e bateu sucessivas vezes na mulher, e perguntou mais uma vez:
— Alguém esteve aqui? Ela negou novamente, e num ataque de fúria, Anton arrancou sua cabeça.
— Isso é para aprender a não mentir mais. Enquanto o sangue derramava e escorria pelo chão, Anton tinha a certeza que o tal “intruso” ainda estava ali. Então, olhou firmemente para a porta entreaberta, deu um sorriso macabro e foi até lá. Sem chamar muita atenção, José foi cada vez mais para baixo à medida que Anton ia retirando os corpos; cada vez mais perto, e dizia Anton:
— Hoje você se tornará mais um de meus prisioneiros.
José estava quase sem ar e, em sua mente, a oração de sempre:
Ó, Senhor! Afaste o mal
Presente neste engano eterno,
Nestes dias entregues à destruição, Neste enigma por detrás desta ilusão; Dê-me refúgio em teu poderoso castelo.
— Sinto o cheiro do medo. Isso me fortalece cada vez mais!
Quando apenas poucos corpos cobriam José, algo caiu bruscamente no andar de baixo.
Rapidamente Anton correu em direção ao barulho. José viu uma pequena porta no fundo, quando a abriu, deparou-se com a parte de trás do imenso palácio. Um pouco mais ao lado, estava a pequena janela que se interligava ao porão, dava para ver apenas a sombra de Ágata.
Estava anoitecendo, chovendo bastante, e tudo à volta estava coberto com uma intensa névoa. Sem chamar atenção, José tentou achar um jeito de entrar novamente no palácio.
— Ajude-me a achar uma resposta, Senhor. — Pensou ele.
Em seguida, a porta do porão se abriu fortemente, refletindo a sombra dos longos chifres. Era a oportunidade, José correu para a entrada, sem medo e em contramão aos degraus que iam para baixo, subiu até o último andar. No penúltimo andar, um espelho em um quarto diferente, quando José viu o reflexo do espelho, assustou-se e quase caiu da escada.
Crianças mortas e ensanguentadas podiam intercalar toda a parede, algo que só poderia ser visto pelo espelho. Assim foi quando ele entrou no quarto de Anton, parece que o mesmo tinha prazer em ver isto enquanto estava no seu próprio quarto; as chaves estavam no local indicado, José as pegou, e quando olhou pelo espelho Anton estava atrás dele, nisso um grito alto soou de sua garganta. Ao olhar para trás, não tinha ninguém, mas um tremor pôde ser sentido e o próprio Anton estava subindo as escadas.
Ficava cada vez mais perto e José não conseguia achar um esconderijo, até que ele viu o mesmo espelho em que ele se escondera em outros tempos. Conseguiu se esconder exatamente dois segundos antes de Anton abrir a porta.
— Aquele mesmo cheiro de minutos atrás, quem está aí?
Foi quando Anton fixou seus olhos no espelho, aqueles mesmos olhos vermelhos demoníacos, e com um só golpe quebrou o vidro. Para a sorte de José, Anton não estava lhe vendo, estava numa espécie de armário invisível; procurou por mais alguns instantes, e desistiu.
Novamente caminhou para trás, e de repente o ambiente clareou um pouco. Era um novo quarto, aquele armário era uma passagem secreta para um quarto misterioso, diferente da madeira, o chão era invisível. A vista estava um pouco embaçada, sombras eram refletidas.
Fechou os olhos, esfregou-os um pouco, e quando abriu novamente, viu Ágata no chão. Correu, e quando a tocou, virou o rosto, começou a chorar, dizendo: Não, Não, Não!
— Não por que, querida? Foi quando se deu conta da realidade, e quando olhou para o lado, Anton estava de fora da prisão dando aquela sua risada macabra.
— Estava muito engraçado você achando iria me enganar, caiu direitinho na minha armadilha.
Com uma caixa de música pequena em sua mão, abriu-a e aquela melodia de ninar era conhecida, os olhos de José foram fechando lentamente e as crianças estavam dançando aquela melodia macabra com os seus rostos ensanguentados, aparentemente tristes, também pareciam prisioneiras.
Ó, Senhor! Afaste o mal
Presente neste engano eterno,
Nestes dias entregues à destruição, Neste enigma por detrás desta ilusão; Dê-me refúgio em teu poderoso castelo.
No seu subconsciente, José repetia a oração. Anton então aparecia e dizia que não tinha mais jeito,
— “Serás meu eterno prisioneiro” — o mal gosta de aprisionar quem quer se livrar do que inicialmente estava fadado a viver eternamente durante a vida, quem queria liberdade.