Um suspiro entrelaçou-se de seus ombros e novamente a escuridão, sua companheira de outrora, deu vida a mais um pesadelo. Anton estava naquela sala obscura, tocando seu piano, e com um sorriso nos lábios estava Ágata, apaixonada com a bela música. Ao perceber que José estava ali, deu uma gargalhada. Com a entonação diferente, disse:
— O que vieste fazer aqui? Salvar-me? Ah, mas agora serei noiva de Anton!
Sem nada entender, José assustou-se e com um estranhamento, logo disse-lhe em um tom duvidoso:
— Como? O que você disse?
Com um sorriso macabro Anton mais uma vez com sua voz grave, disse:
— Ela está sob meu comando agora, logo será minha!
Gritos tortuosos atravessaram sua mente, impetrante com a agonia. Isto lhe incomodou piamente, e no universo de confusões atirou-se, dando espaço, até mesmo para o pouco de razão que ali estava.

Ó, Senhor! Afaste o mal
Presente neste engano eterno,
Nestes dias entregues à destruição,
Neste enigma por detrás desta ilusão; Dê-me refúgio em teu poderoso castelo.

Os respingos da oração resvalaram no aço da voz e, finalmente, conseguira voltar ao mundo real. Olhando-se no espelho, a vertigem da esperança era resgatada pelo esboço de sua amada sobre a parede, estar lhe olhando de forma a denotar calma, estando sua alma presente ali. Sua presença era evidente e confortava-o diante do sofrimento.
Tamanha tristeza, o sentimento uníssono a todos seus passos, furtando-lhe os anseios e tantos planos naufragados. Nisso, sua mãe abraçou-lhe junto à irmã, e juntos oraram novamente e pediram uma intervenção nos seus demasiados problemas. Dali para frente teriam de se conformar com uma perda.
De dentro do guarda-roupa, Margarida (a mãe) achara uma carta de seu marido, e diante daquilo veio uma mensagem premeditada. Em seu esboço: “Para minha querida família”.

Família, neste exato momento vocês devem estar afligidos porque certamente não estarei mais neste plano, Anton me perseguira estes últimos dias, imagens terríveis eram postas em minha mente, previsões ainda mais tenebrosas, de modo a me exaurir.
Passei estes últimos dias em aflição, não pude sequer contar-lhes o que deveras sentia, o que deveras pairava sobre meu pensamento, pois quanto mais dissermos o que faz o mal, mais ele se espalhará.
Os navegadores deram suas vidas para tentarem salvar a todos, e agora terei de dar a minha para salvar vocês, que tanto amo. Fiz um trato com ele, disse que se ele parasse de fazer suas maldades com vocês, eu faria qualquer coisa. Como resposta obtive o desafio de sair deste plano para poder isto acontecer.
Daqui pra frente, sigam fortes, combatam este mal que já tirou milhares de vidas, já destruiu muitas famílias. Eu os amo, mas tenho que partir.
Com as lágrimas descendo, passava uma dúvida à mente de todos: Por que assim? Por que desse jeito? Certamente isto intriga. Estevão tornou-se um espantalho, então Anton teria descumprido a promessa. José lembrou-se da ilusão, então em sua mente aquilo poderia ser um enigma.
Nesse exato momento, um pássaro se chocou contra a vidraça da porta, os estilhaços de vidro formaram uma palavra: PENSE. O pássaro, agonizando no chão, remeteu José a uma certa visão. Por meio de seus olhos, via-se uma intensa fumaça, com o seu fim o começo de um desenho: o de seu pai dentro da velha casa de madeira feita por Adoniran.
Vertiginosamente, como um sepulcro da alma, seus pensamentos reviveram, e correndo (mesmo que na imaginação), foi de encontro ao seu pai. Junto de Adoniran, sorrindo, disse para o filho não desistir, pois já estava aproximando-se do objetivo derradeiro.
Voltando à realidade, apenas José estava em pé, ali, e o pássaro inexistente estava a voar. Mariana, triste, vinha com o semblante a chorar.
— Como iremos vencer Anton?
José levantou a cabeça e foi correndo para seu quarto (Mariana sem entender nada foi, sem imã, para as bordas do lago refletir com sua exasperação revestida de melancolia), trancou a porta, e deitou-se na cama com uma ideia na mente. Fechou os olhos e se concentrou na missão de encontrar Ágata.
Alguns minutos se passaram, a transição para o subconsciente fora feita com sucesso. José estava flutuando sobre o abismo escuro, algumas serpentes cobriam seu corpo, as raízes das árvores o seguravam. Levantou-se lentamente e, agarrando-se a elas, escalou até o alto da montanha. Era madrugada, a pouca iluminação era vinda do palácio do medo. Bem acima, tinham diversos morcegos que trafegavam por ali.
Aquela imensa porta polida de sangue estava a ser aberta, desta vez Anton não estava ali, a pouca luz dava o seguimento de seus sofríveis passos pelo chão. José desceu as escadas, e a cada degrau descido, uma tensão se camuflava em seu semblante, como um pássaro desolado pela natureza.
O ponteiro do relógio parecia não descer. Ao descer o último degrau, soou do horizonte uma música macabra da vitrola, entoando a melodia rouca de um violino. Mais que depressa abriu a porta do porão. Ágata, quase sem vida, continuava da mesma forma, inanimada e depressiva.
— Querida? — disse baixinho, José.
Lentamente, Ágata levantou a cabeça, e sorriu.
Dizendo-lhe silenciosamente:
— Como você chegou até aqui?
— Uma longa história, onde posso encontrar as chaves?
— De vez em quando ele me leva para cima, mantém-me escrava. Pude perceber que ele põe as chaves perto de sua cama, em cima de uma cômoda. Ele chega às quatro horas sempre e você pode perceber pelo resvalar de suas unhas sobre os cômodos, aquele som infernal. — E onde fica seu quarto?
— Fica no último andar, eu nunca consegui pegar as chaves porque ele nunca me deixa só.
José deu um abraço em sua amada, e resolveu encarar o desafio de subir até o último andar. Enquanto subia, aquele violino ficava mais intenso. Na metade do caminho, viu um espaço entre a parede, afastou um pouco e uma sala estreita estava à vista. Aparentemente vazia, tinha uma pequena escada que levava para cima. Foi quando José subiu e se deparou com um guarda-roupa.

 
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