Capítulo VIII

Nesse exato momento, ouviram uma voz gritar como num sussurro: Socorro! Libertem-me! José imaginou que era Ágata, e conseguiu forças para abrir a porta.
Quando a porta se abriu, uma energia mais pesada rodeava todo o palácio, as longas escadas de madeira contornavam aos intercalados andares, e a voz estava a soar acima das escadas. Haviam várias pinturas, vários símbolos. Um piano estava no meio da sala obscura, e parecia que o espírito de José (mesmo que em sua mente) fazia uma melodia melancólica de suspense.
Quanto mais subiam, mais tudo ficava intenso, pareciam acompanhados, os imensos quartos intercalavam cada escadaria ao subir, diversas passagens eram sobrepostas às paredes. E do último quarto a voz ficava mais intensa; no último degrau pôde-se ouvir um passo muito forte subindo as escadas, tinha o chifre de um bode, e sua sombra era aterrorizante, a sola de sua pata reverberava o som assustador da madeira.
A porta estava aberta, mas ninguém estava ali, um imenso espelho refletia a imagem de um demônio bem perto, e o som da madeira ficava cada vez mais intensa. Procuraram algum lugar para se esconder, e perceberam que o espelho era uma ilusão, ultrapassaram-no e estavam em uma espécie de armário, mas por fora tudo parecia um simples espelho.
Aquele ser abriu a porta e ficou procurando os dois lá dentro. O suor já estava escorrendo e o medo estava cada vez mais à flor da pele. Por mais que tentassem se livrar da ilusão, não conseguiam. E a criatura passava suas longas unhas pelas madeiras, que rangiam em um tom agudo e traumatizante.
Passou a sentir o cheiro do medo, e olhou fixamente ao espelho, aqueles olhos vermelhos quase os hipnotizaram. Mas parece que não houve nada, a besta virou de costas e seu longo rabo saiu derrubando tudo. Uma gargalhada macabra: Vocês não podem fugir de mim!
Andaram devagar para trás, e perceberam que não era um armário, era um lugar escuro, um grande lugar. José pisou em algo, assustou-se, mas quando tocou era apenas uma lanterna. Foi quando ouviu uma moça implorar por ajuda, e quando ligou a lanterna, uma menina de branco correu para se esconder.
Evidentemente, os dois foram atrás dela, mas quando chegaram perto a lanterna falhou e a escuridão tomou o lugar novamente.
— Caramba, por que esta porcaria vai falhar agora? — disse José, com raiva, seguindo de uma pancada na lanterna.
Após o baque a lanterna funcionou, e a imagem daquele ser sombrio apareceu bruscamente, com os seguintes dizeres: Bem-vindos ao meu mundo! Em seguida tudo clareou de repente, os dois fecharam os olhos e fingiram não se importar de onde estariam no exato momento. Demoraram um pouco para abri-los, foi apenas com um toque que resvalou seus ombros.
— Não sintam medo, o pesadelo já passou. Sigam a trilha para o norte. — disse Adoniran, com uma voz incisiva.
— Mas como assim? O que houve? — perguntou José.
— Vão rápido, ele está chegando! Está ficando cada vez mais forte! Logo ele conseguirá interferir no mundo normal, por enquanto só a mente de vocês, depois o corpo.
Não hesitaram, e rapidamente seguiram a trilha. De repente, sentiram uma pressão sobre seus corpos, e estavam com os pés sobre a areia. A casa estava lá, alguns investigadores voluntários faziam uma pesquisa; continuaram a caminhar, no relógio eram três e meia da tarde.
O tempo estava normal, e novamente puderam notar que tudo que houvera acontecido passara em instantes, como se o espaço-tempo passasse mais rápido no outro lugar, e isso acontecia em milésimos de segundos, era algo realmente a se pensar. Caminharam de volta ao lar, tudo estava na normalidade. Seus pais estavam preparando a janta, mas nada falavam, mais um dia monótono para eles, não saíam daquele espaço, seus rostos pareciam sem vida e sem esperança. Nada incomum, visto que suas vidas eram entediantes.
— Onde vocês passaram o dia? — perguntou a mãe.
— Estávamos na biblioteca, mãe. — respondeu rapidamente Mariana.
O silêncio voltou a reinar, no semblante de José a tristeza era evidente, seu pensamento estava longe, olhar ainda mais vazio. E o rosto de Mariana estava abatido, nos olhos haviam marcas de noites mal dormidas. As horas passaram, e junto à mesa estava um diálogo inexistente, como se fossem desconhecidos, entreolhavam-se como estranhos, sem nada a dizer.
Interrompendo a monotonia, José perguntou a seus pais:
— Como foram seus dias?
O pai, com o olhar cabisbaixo, disse:
— Nada aconteceu, assim vivemos: sem nada! Nossas vidas aqui são vazias, não podemos oferecer nada ao mundo, presos nesta ilha.
Neste momento os olhos se arregalaram, era uma surpresa, pois o chefe da família nunca havia falado assim. A mãe, sem graça, disse:
— Sim, mas nós nascemos aqui, temos de nos conformar com esta situação!
Como num desabafo, o pai levantou-se furioso da mesa e saiu da cozinha, mas quando estava subindo as escadas, uma frase reverberou em um tom um pouco abafado, porém todos puderam ouvir:
— Maldito Anton!
O rosto da mãe ficou horrorizado, ela levantou-se da mesa e correu em direção marido. Subiu às escadas rapidamente, e quando chegou ao quarto os irmãos puderam ouvir em alto e claro som:
— Eles ouviram, e agora!?
José e Mariana estavam abismados na mesa, e tiveram a mesma ideia: seus pais sabiam da existência do mal, sabiam da história. Na verdade, eles não sabiam que seus filhos estavam sendo atormentados.
Então os dois desceram até a cozinha, e José apenas fez uma pergunta como quem não sabia de nada:
— Pai, quem é Anton?
O pai, preocupado, olhou para a mulher como que pedindo uma aprovação ou uma negação para contar ou não a história. A mãe confirmou com a cabeça, e disse com um tom incisivo:
— Acho que chegou a hora de eles saberem a verdade.
O pai sentou-se em seu lugar na mesa, respirou um pouco, e com um mistério no ar, passou a contar de tudo que sabia, todos estavam concentrados, como que assistindo a um espetáculo.
— Quando eu tinha mais ou menos a idade de vocês, meus pais também me contaram esta mesma história. Trata-se se um homem muito ruim que aos quinze anos já tinha iniciado no ocultismo, entrou em uma irmandade e conseguiu subir até o mais alto grau, sendo que nesse grau as pessoas já tinham poderes superiores aos que podemos classificar como poderosos. Ele tinha influência também na política, nisso iniciaram uma guerra revolucionária contra a Europa ocidental, o objetivo era destruir o ocidente e seus costumes. Resumidamente, mataram milhões de pessoas, senão me recordo até recitavam versos para o demônio ao matarem os que acreditavam em Deus. Assim, com o tempo construíram uma arca debaixo da terra e muitas pessoas fugiram através de Lisboa, em Portugal. Mas este homem mal, Anton Satanis, fez com que o barco naufragasse. Pouquíssimas pessoas sobreviveram, e ele fez com que essas poucas pessoas ficassem presas em uma ilha, essa onde estamos. Desde então, ninguém pode sair daqui. Diversas pessoas já tentaram, mas há uma força maligna no mar, que destrói todas as embarcações. Certa vez, um homem chamado Marco Polo conseguiu chegar a uma distância de dois quilômetros longe da ilha, disse ele que viu uma embarcação quatro vezes maior que a dele passar a seis metros. Ele gritou, chamou por alguém, mas parece que ninguém o viu; até tentou lançar uns fogos contra a embarcação, mas não deu em nada. Foi então que uma onda gigantesca quase o derrubou, levando-o de volta à ilha. Depois de estudos, ele descobriu que a ilha parecia invisível aos olhos de quem está fora dela, isso foi feito por Anton.
Marco tentou novamente, quando atravessou quinhentos metros, uma força o puxou fortemente para baixo, e nunca mais se teve nenhuma notícia. Isso aconteceu quando eu tinha vinte anos, desde aí todos que tentaram este feito não conseguiram nem sequer passar quinhentos metros, mesmo que tentassem rotas diferentes. Desde os primórdios de nossos primeiros habitantes, os navegantes nunca conseguiram, creio que Marco era avô de Adoniran, sendo o último da família que também morreu do mesmo jeito.
Ao término da breve história as luzes da cozinha começaram a falhar, e o medo se fez presente. Quando clareou, lá estava aquela criatura com chifres ao lado da mesa. Todos correram para fora da casa, os pais estavam horrorizados; quando avistaram, José estava jogado no chão em transe.
Tudo escuro novamente, José andava sobre as águas que nada refletiam, apenas um feixe de luz vinha distante. Era guiado por um choro feminino, um soluço desesperador.
Uma moça, com vestido preto (em contraste com sua pele branca) estava de costas para José, era
Ágata. Ao tocar seus ombros, um sentimento muito forte, e suas lágrimas desceram como uma tempestade:
— Querida, é você? — perguntou aflito, José.
Então a moça virou lentamente, e com seus olhos borrados e sem vida, surpreendida, respondeu:
— Você veio? Nossa! Estava te esperando há tempos. Ele me mantém prisioneira aqui, porém não é na mente, este é meu corpo! Não tenho mais forças, este lugar escuro é ruim demais, não importa para onde eu vá, sempre sou guiada por essa escuridão.
— Você viu a carta que fiz a você? — perguntou José.
— Eu senti que você queria falar comigo, mas não consigo sair daqui!
— Irei te tirar daqui logo, querida. Vamos sair a salvos, irei conseguir.
— Ele é muito forte, controla tudo. Essa ilusão é tão verdadeira!
— Tente achar o enigma para entrar em contato com o mundo real para entrar em contato, vou tentar entrar em contato com Adoniran.
Ágata caminhou lentamente para longe de José, quando o mesmo percebeu, chamou por ela, mas parecia não ouvi-lo, apenas caminhava de costas. José correu, mas foi interrompido por uma força que desativou seus movimentos. Ágata parecia triste em uma espécie de cela, e ao mesmo tempo caminhava para trás, subsequentemente.
O esboço de Ágata se desfez, e ao lado dela surgiram várias névoas que cobriram seu rosto. Mais uma armadilha de Anton, que se fez em seu lugar, aquele homem alto em forma de bode aterrorizante ria maquiavelicamente com aqueles olhos vermelhos: Você ainda tem muito que aprender, mas não adianta, ficarei com sua namoradinha. Ao terminar a fala, estalou seus dedos.
José acordou com muita dor de cabeça, Mariana estava do seu lado com o olhar de preocupação.
— O que aconteceu? — perguntou emocionado, José.
— Você caiu no quintal ontem! — respondeu Mariana.
— Eu tive um sonho muito esquisito.
— Estranho, não consegui sentir nada ontem.
— Eu vi Ágata.
— Como ela está?
— Não era bem ela, foi uma armadilha de Anton. Mas eu pude vê-la presa em uma cela.
Seus pais entraram no quarto para saber como José estava, e para pedir desculpas por lhe ter contado tal história.
— Filho, não dê muito ouvidos a essa história, senão Anton irá perseguir quem se interessar pela mesma. — disse o pai.
— Pai, ele já está perseguindo a mim e à Mariana. Também já mantém como prisioneira Ágata.
Sabemos desta história há algum tempo, também já falamos com Adoniran. — disse um pouco aflito, José.
— É verdade isso? — perguntou a mãe à
Mariana.
— Sim, é verdade! — respondeu a mesma.
Nisso, o pai pegou um antigo livro que tinha na prateleira, e disse:
— Este livro é poderoso, aqui contém uma oração que afasta o mal, basta você ler estes versos quando o mal achar que irá lhe enganar.

Os seguintes versos são:

Ó, Senhor! Afaste o mal
Presente neste engano eterno,
Nestes dias entregues à destruição, Neste enigma por detrás desta ilusão; Dê-me refúgio em teu poderoso castelo.

— Com isto, vocês verão com o tempo, que isso irá passar, esse pesadelo. Isso aconteceu comigo por vários anos, até que me conformei em ficar aqui.
— Então como faço para encontrar Ágata? — indagou José.
— Não faço a mínima ideia.
— Não sei como, mas vou conseguir!
Um sentimento diferente se apossou do corpo de José, uma fúria impetrante. Levantou-se da cama e desceu as escadas. Nisso, foi até o pequeno lago que ficava atrás de sua casa, sentou-se, colocou os pés na água. A névoa se propagava ao ambiente, uma calmaria. José avistou seu reflexo na água, reflexivo e triste: assim estava seu coração.
Algumas ideias surgiram pela sua viagem mental, tentou achar um ponto de inflexão que lhe desse vantagem nesse desafio, mas nada veio subitamente. Seus olhos fixos na água até viram a miragem de Ágata a nadar calmamente. As lágrimas desciam lentamente, as névoas cobriam-lhe o corpo de modo a enxergar apenas esta doce miragem, talvez a melhor imaginação que tivera nesses dias dolorosos que haviam passado.
Aquela bela mulher fixava seu olhar ao dele, e em seu reflexo aparecia Ágata naquela prisão. Ela estava totalmente depressiva, jogada ao chão com suas mãos movimentando-se friamente, quase sem vida.
Seus cabelos longos cobriam seu rosto, e o chão era revestido de pele humana, e entre o ferro das grades, dentes humanos.

 
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