Algo chamou atenção na água, José entrou calmamente e mergulhou para ver o que tinha ali. Nas profundezas, parecia que o palácio era desenhado pelas rochas, e uma voz chamou por seu nome. Isso chamou sua atenção. Ao abrir a porta, estava do mesmo jeito que a primeira vez que vira o mesmo.
Agora o som estava vindo de baixo. Anton estava tocando piano, uma música macabra. José andou sem fazer barulho algum, lentamente, e passou pela parede, Anton estava de costas e não pôde vê-lo, teoricamente. Ao fim do corredor, a porta para o porão.
A porta se abriu em silêncio, escadas compridas em forma de círculo; José ia descendo e a voz ficava cada vez mais intensa, a madeira soava um pranto. Chegou no porão, Ágata estava na prisão da mesma forma em que fora vista há poucos minutos atrás.
— Ágata? — perguntou José.
Ágata virou-se e olhou para José, seus olhos estavam fundos, e sua magreza era intensa, desidratação severa. Nem forças para falar ela tinha, estava quase a agonizar. Melancolia imensa, ele vendo seu amor sofrer daquele jeito, não havia como soltá-la, só quem podia abrir era Anton.
Quando se deu conta, estava faltando seu ar, começou a flutuar e teria que nadar de volta à superfície. O coração batia rápido, as batidas podiam ser ouvidas. Sua vista ia escurecendo e os olhos de Ágata estavam fixos a ele, que foi até ela e tocou em suas mãos; em seguida, entre o pouco espaço que tinha, um doce beijo.
De repente José abriu os olhos, estava quase no fundo, e nadou rapidamente à superfície. Sua vista parecia embaçada, Mariana vinha correndo, e perguntou-lhe o que tinha acontecido.
— Foi uma experiência esquisita. — disse José.
— Como assim? O que você viu?
— Só sei dizer que o beijo de Ágata me deu vida, vi aquele palácio embaixo da água, e fui atraído pelo grito de socorro. Chegando lá embaixo, a vi na prisão, está com os olhos fundos e uma magreza assustadora pôde ser notada. Logo, faltou-me oxigênio, então peguei em suas mãos e meus olhos estavam quase se apagando, beijei-a e no término do beijo pude sentir a vida, e tive forças para subir.
— Não pode ser, você deve tomar cuidado para não cair em armadilhas e morrer. Logo, já podemos saber onde e quem pode encontrá-la. Somente você! — Como? Como iria fazer para salvá-la?
Alguns minutos se passaram, um estrondo muito forte no quarto de José pôde ser ouvido. Seus pais estavam na lavoura, subiram para ver o que tinha acontecido, e quando chegaram, absolutamente nada tinha acontecido; na janela tinha um pedaço de papel velho.
Quando José abriu o papel, tinha uma carta de Adoniran Coelho:

Filho, o que aconteceu com você não é incomum, agora você sabe onde está Ágata, e como que Anton controla a mente, como que ilusões são feitas. Seu pai lhe mostrou a oração que deve que ser feita, ela não é eficiente quando a ilusão é transcendental, você deve achar algo dentro de si que te deixe imune desta armadilha. Não consegui, é fato.
Não posso mais entrar em contato com você, tenho que partir, agora fico tranquilo porque você é mais forte que eu, sabe demais agora a ponto de conseguir enfrentar tudo isso. Meu tempo está se encerrando, consegui derrotar Anton e agora posso partir em paz.
A única coisa que posso fazer é enviar algum sinal nas horas das suas decisões, espero que tudo dê certo, lembre-se de enfrentar seus medos, sua ansiedade e sua ilusão. Ele vai sempre no seu ponto fraco, no seu sentimentalismo, até mesmo no seu desejo.
Certamente você conseguirá entrar nos pensamentos de Ágata, estás quase a adquirir uma habilidade psíquica. Estás sendo uma ameaça para Anton, tome bastante cuidado para não cair nas suas armadilhas!

Mais um dia se passou, a tristeza e raiva de José apenas aumentavam. Um domingo misterioso, olhava pela janela as folhas caindo, e na vitrola alguma das sonatas mais triste de Beethoven. O dia estava um pouco escuro, o sol se escondia, uma semana já tinha se passado e a agonia aumentava ainda mais.
Uma semana com tudo vazio, sua amada não estava lá, e as assombrações ficavam cada vez mais intensas, viraram a trágica rotina. Adoniran não aparecera mais nas visões, e Ágata sempre aparecia cada vez mais abatida, sem vida, como se fosse apenas um corpo sem espírito, sem alma, sem alegria e sem cor. A melancolia era ainda mais intensa quando José não via as cores do dia, tudo era preto e branco.
O mar, apesar de agitado, era lento. Lá estava José, sentado na beira da praia, sozinho, refletindo sobre o vazio que enfraquecia seu peito e seu ser. Um pouco de silêncio, a ventania começou a balançar apenas em uma árvore que revestia o pouco da floresta, e José pôde sentir-se chamado por aquilo, algo em sua intuição dizia que era para ir até ali.
Foi caminhando lentamente, havia um caminho livre por entre as árvores que balançavam, o rapaz cautelosamente foi entrando. As raízes foram se encolhendo, e em poucos segundos ele estava de um cemitério obscuro, as mesmas crianças ensanguentadas lá estavam, mas não assustavam mais a José que, entristecido periodicamente, não notou e nem sentiu medo de nada.
Assim, caminhou por entre os túmulos que ali estavam, e por uma escadaria começou a subir os degraus feitos por rochas revestidas de pele humana. O som do sofrimento era evidente, muitos murmúrios e lamentos eram notados, porém José só pensava em seu amor, seu sublime amor.
A escadaria ficava cada vez mais alta, e a cada degrau mais alto, o fogo alastrava tudo que ficava mais embaixo. Entrando pelo caule de uma centenária árvore, avistou uma montanha próxima dos galhos que estavam mais acima, e as raízes da árvore faziam com que aquilo servisse de escada.
José estava em cima da imensa montanha, fechou os olhos, e abriu lentamente. Quando pôde ver, uma surpresa imediata: A ilha estava a poucos metros de distância. Pela primeira vez ele conseguiu sair da ilha. Andou um pouco pela montanha, as árvores eram pretas e a atmosfera era mais sombria ainda, havia uma casa pequena de madeira um pouco distante.
Andou um pouco pela grama negra que revestia a montanha, chegou à casa pequena de madeira, e apenas a luz do luar guiava-lhe o caminho. Ao entrar na casinha de madeira havia apenas um quarto e um banheiro.
As paredes eram escuras e a casa, vazia. José percebeu que uma das madeiras do chão estava solta, então a puxou, soltando totalmente. Havia uma escada como uma espécie de porão diferenciado. Desceu e se deparou com uma linha reta extensa. Caminhou cerca de dez minutos e a linha não acabava, até se deparar com uma outra escada.
Com medo, subiu a escada, preparando-se para o pior, e pra sua surpresa estava vendo como “porta” um tronco de árvore. Quando abriu, deparou-se com uma grande surpresa: estava na parte de trás de sua casa, perto do pequeno lago. Era a maior árvore, que ficava no meio.
Já era quatro horas, Mariana estava assustada, quase desesperada:
— Por onde você se meteu?
— Tenho uma novidade: consegui uma forma de sair da ilha!
— Sério? Como você conseguiu.
— Vou te mostrar amanhã, você vai ficar surpresa. Aconteceu um emaranhado de coisas na praia, e passei por aquele cemitério, subi em uma escadaria, e logo consegui ver uma montanha. Quando percebi, pude ter a vista dessa ilha, vi uma casinha de madeira, ela só tem um banheiro e um quarto, mas tudo está vazio. Percebi que uma madeira no chão estava solta, lá tinha uma escada, desci e segui uma linha reta, andei por uns dez minutos e cheguei naquela árvore mais alta perto do lago.
— Como assim? Isso é verdade?
— Sim, agora podemos ver se conseguimos algo por lá.
A noite passou, Ágata apareceu em seu sonho, estava vestida de branco, correndo feliz em um jardim florido. Logo amanheceu, José imaginara que seu amor estava ali, sentia sua presença, e parecia que Anton estava se enfraquecendo. Tomou o café da manhã com sua irmã, e juntos, foram para perto do lago, teriam de entrar na árvore de modo secreto.
Depois de alguns instantes, José entrou primeiro, seguido de sua irmã. Ela ficou abismada, desacreditada daquilo, e como era dia, tudo estava iluminado. Parecia um túnel revestido de gramas, andaram o mesmo tempo de dez minutos e logo as escadas puderam ser vistas.
A casinha lá estava, intacta. Mariana viu a ilha do outro lado, e percebeu que realmente a ilha era amaldiçoada, você não podia ver nada para fora, e nada de fora para dentro, apenas se morasse ali. Havia um espaço montanhoso para eles explorarem, vazio à primeira vista. Não era de uma dimensão tão grande, em pouco tempo chegaram ao seu fim.
O mar estava agitado, não demorou muito para eles verem outras embarcações (mesmo que de longe).
— Nós estamos fora da ilha mesmo! — disse Mariana.
— Se tivermos sorte, podemos chamar algumas dessas embarcações e alguém nos avistar, mas tenho que achar Ágata.
O tempo se fechou e uma tempestade estava a surgir, e passando alguns instantes perceberam que tinha um pedaço de areia no outro extremo da montanha, era uma praia. Correram até lá, uma onda grande estava a se formar, o tempo estava negro e as nuvens mais ainda.
Um homem com cabelos e barbas grandes saiu de dentro de uma árvore, tratava-se de Adoniran Cavalcante.
— Você seguiu as minhas pistas, que bom que você conseguiu chegar aqui, aqui está a minha libertação, consegui sair daquela ilha, fui o primeiro!
— Então foi você quem fez aquela casa de madeira? — perguntou José.
— Sim, fui eu!
Todos ficaram surpresos com a notícia, e a tempestade começou a cair, juntos foram até a casa. Adoniran apertou o botão escondido nas paredes, e misteriosamente todos os móveis surgiram. Disse que ali Anton não podia chegar, pois era a realidade.
Mas alertou também que não poderiam ficar muito tempo ali, senão mal conseguiria achá-los. José e Mariana voltaram para casa, o tempo tinha passado rápido, já eram duas horas da tarde. Um grito soou pela casa, quando foram até a cozinha a mãe estava escondida nos cantos da mesa, tremendo-se.

Ó, Senhor! Afaste o mal
Presente neste engano eterno,
Nestes dias entregues à destruição, Neste enigma por detrás desta ilusão;
Dê-me refúgio em teu poderoso castelo.

— Tinha alguém aqui, veio correndo atrás de mim com a faca desde a escada. Quando chegou bem perto, desapareceu. Era um homem que tinha a aparência de bode, suas unhas eram compridas, e os olhos eram vermelhos!
José olhou para Mariana, e afirmou:
— Anton esteve aqui.
— Quer dizer que essa é a aparência de Anton Satanis?
— Sim, mãe. Na maioria das vezes é uma ilusão.
— Fiquei com medo, estava deitada descansando, quando vi aquelas unhas passando pelo meu rosto.
O pai estava consertando o espantalho. Foi quando vários corvos saíram da direção do espantalho, e um sentimento estranho abateu o coração de sua mulher.
— Nossa, senti algo horrível agora. — disse ela.
— Como assim, mãe? — perguntou Mariana.
— Temi pela primeira vez que algo de ruim acontecesse com meu Estevão.
Com esse temor, todos foram correndo para o milharal, um silêncio ensurdecedor, uma paz profunda no ambiente, e um semicaminho aberto. Assim, caminharam lentamente em direção ao espantalho, cada passo dado era um aperto na garganta.
Um imenso pássaro estava a cobrir o caminho. Ao se aproximarem, suas asas devastaram um pouco da plantação. O espantalho estava diferente, pararam um pouco e olharam bastante.
— Parece um pouco com Estevão. — disse a mãe.
Em seguida, gritou atonitamente, desesperadamente pelo seu nome, mas apenas o silêncio reverberava como um fragor flamejante. Na verdade, Estevão agora tinha virado um espantalho, para o desespero de todos. Gritos e choros, agonias foram contrastadas pelo ar.
Aquele espantalho sem vida tinha a morte em seu olhar, aquele olhar de desespero e dor, assustado com algo que vira há instantes. E assim fora o triste fim de Estevão. Anton já estava interferindo no mundo real, agora furioso com o poder imenso de José. Quando o mesmo subiu para seu quarto, uma mensagem estava escrita na parede: Serás derrotado!

 
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