Capítulo IV

Os pensamentos estavam convergidos como a gota da chuva que passeia pelo solo, como o mar que beija a praia em uma noite de lua cheia; como o som dos pássaros, que além de muito bonitos, revelam que acima das árvores existe um lugar misterioso.
Tudo isso era perpetrado da incauta rodovia sentimental. Eles logo viraram amigos e passaram a compartilhar seus sentimentos, José desabafou sobre a situação, contou-lhe tudo o que sabia e mostrou a carta de Adoniran à nova pétala de sua incólume miragem. A moça sentiu-se ameaçada ao saber disso tudo, sentiu-se com muito medo, mas para José nada mais importava que a presença daquela bela rosa, seus medos se transformaram em desejo.
Foi bom para José compartilhar este pesadíssimo fardo com sua agora amiga Ágata. De repente soou um intenso estalo na casa, os móveis começam a ser arremessados e as famosas sombras começam a rodear os dois; os telhados começam a ranger, e assim, caíram peremptoriamente como se um raio tivesse os atingido.
Os dois correm num relance e jogam-se a tempo de a casa não destroçar seus ossos, e das cinzas apenas restou a cama ensanguentada de Adoniran e acima dela estava a carta que ele havia deixado a um desconhecido, e no retalho das paredes despedaçadas havia uma mensagem: Agora a vida de vocês será um pesadelo.
Não mais que lentamente o tempo fechou e eles saíram correndo dali, o relógio marcava 14:30, as areias pareciam úmidas e quase cáusticas; foram andar um pouco pelo vilarejo e terminaram indo para perto do mar, onde estudaram um pouco mais o que acabara de ter acontecer, quando algo chamou a atenção de Ágata e a fez caminhar em direção à floresta, “convalescidamente”.
José a seguiu vaporosamente e percebeu que entre os galhos de uma rancorosa árvore havia um brilho que somente ele podia ver, pois Ágata apenas via uma imensa escuridão; os dois seguiram a alguns instantes, e de repente viram que da vista nada mais podia se sentir, foi quando começaram a perceber que o solo encontrava-se úmido, e que não era mais areia a composição do chão, parecia ser algo que evapora nos pés, eles tinham a sensação que estavam a levitar nos próprios pensamentos.
Deram-se conta que adiante estavam em um diferente cemitério, era algo assustador, haviam diversas pessoas que desapareciam no espaço, parecia que ninguém notava a presença deles, parecia que o ambiente estava carregado de terror, havia uma música assustadora que era cantada por crianças, com a seguinte letra, que se repetia lentamente:

Bem-vindo ao seu novo lar,
Daqui não irás sair;
Ninguém irá te encontrar,
Dê adeus ao seu doce rir.

Seus sonhos estão perdidos,
Estás preso no mundo sem cor,
A escuridão guiará teus passos,
Dê adeus ao sublime amor.

Bem-vindo ao seu novo lar,
A morte te alcançou,
Prepara-te para o ensaio
Do teatro do formoso horror.

A música parecia de ninar, mas na metade dela se instaurava o terror, uma intensa melodia que se debruçava no medo, e no final as crianças riam com psicopatia e seus rostos eram deformados e banhavam-se de sangue.
Os dois ficaram frios e paralisados, os trovões desciam dos céus e o fogo consumia os corpos que ali estavam, eles não conseguiam se mover, e de repente viram a miragem que era esboçada no céu carregado de vazios.
No início do século XVII diversas embarcações atravessavam a região de Diamantina, diversos corpos eram jogados no mar, na Europa estava acontecendo uma guerra sangrenta. Portugal, Espanha e França (os medievais) estavam ajudando uns aos outros; do outro lado tinha a China, a Rússia e o Japão (os revolucionários). A base dos medievais queriam manter a tradição e a cultura ocidental, os revolucionários queriam quebrar com isso e formar um país na área europeia e formar a República Revolucionária da Europa, com moldes que quebravam com a tradição.
Os medievais estavam perdendo a guerra, e estavam totalmente destruídos, os revolucionários torturavam e perseguiam todos os europeus, pois segundo eles, os europeus representavam o retrocesso humano, como uma raça inferior.
O que ninguém sabia é que existia um bruxo que moldava a mente revolucionária, chamava-se Anton Satanis, que se dizia o maior servo de Satanás, ele convencera a alta cúpula dos revolucionários que deveriam matar todos os europeus, e ainda lançou um feitiço a quem se atravesse a fugir.
A maldição era feita e milhões de pessoas morreram ao tentarem fugir, os revolucionários tinham um exército com duzentos e cinquenta milhões soldados, e a marinha era muito forte, todos eram vigiados e torturados; apenas não mataram todos porque ainda teriam de escravizá-los. Assim, trabalhando vinte e duas horas por dia, os revolucionários faziam isto almejando um mundo melhor.
Ocorreu, depois de meio século de escravidão, a iniciativa por parte de dez mil pessoas: fizeram um barco gigante no subsolo da cidade de Lisboa, e na madrugada do dia de 25 de setembro de 1675 essas pessoas silenciosamente tentaram fugir, passaram doze horas, quando foram descobertos pelos revolucionários.
De repente receberam a mensagem que os obrigava a pararem e voltarem para Lisboa, Anton Satanis disse que eles se arrependeriam muito daquela rebeldia; os revolucionários foram ignorados e se passaram duas horas, quando alguma coisa fez com que a embarcação naufragasse misteriosamente.
A embarcação afundava lentamente, as pessoas procuravam algo que as fizessem sobreviver. A cerca de vinte quilômetros dali existia uma ilha, a única coisa que estava próxima naquele deserto de água; neste momento uma grande tempestade se formou e um terrível tsunami os levou para algum destino incerto.
Assim, depois de três horas um grupo de pessoas acordou na ilha, e uma mensagem se estendia na areia: Agora vocês estão perdidos para sempre, ninguém conseguirá sair deste lugar, o mal caminha aqui, e quem tentar irá ser assombrado até a morte.
Assim, uma contagem foi feita e estavam presente (de dez mil) apenas oitocentas pessoas. Assim iniciava-se a história do vilarejo de Diamantina, uma ilha no meio do nada, onde você está totalmente preso em uma bolha, apenas tem o direito de se tornar cada vez mais esquecido; Anton havia dito que a população iria crescer até certo ponto, mas depois iria diminuir, as pessoas iriam procurar uma saída, mas iriam cair na maldição da ilha; cada vez mais os bons costumes iriam sumir, e a ilha iria ter a mesma filosofia revolucionária.
Por isso que a família Apólito (como todas as outras) guardava veementemente as tradições que aprenderam e vivenciaram, mesmo que tivessem sido protegidos de suas próprias histórias para manter em pé essa pequena sociedade que vivia no meio do desconhecido.
Ao sair da pluma do ar essa história, deram-se conta que neste cemitério estavam “enterrados” os corpos dos mortos do naufrágio.
Cerca de nove mil e duzentas pessoas que deram suas vidas para fugir da escravidão revolucionária. As lágrimas escorriam nos olhos dos dois, e José agora entendia o que tanto Adoniran queria lhe dizer, agora tudo fazia sentido, certamente aquela ilha representava uma das maiores maldades já feitas pelo homem.
Como todo o mal vem disfarçado de algo bom, a pequena população de Diamantina achava que estava em um belo lugar, estava cega por não se dar conta de que só conhece aquilo e que com certeza há muito mais além do oceano, mas na verdade estava fadada a ser prisioneira eterna pelas decisões de poucas pessoas que só viam o bem próprio.
Nesse momento uma música muito triste começou a tocar, a música era desconhecida aos ouvidos de José e Ágata, tratava-se da música de um pianista francês que fugiu naquele barco, a música era muito sentimental e representava sua depressão.
Enquanto a música tocava os dois podiam ouvir o grito das pessoas sendo devoradas pelo furioso mar, seus corpos eram totalmente esfacelados e se revestiam de dor, e era com o sangue desses heróis que se formava os primeiros habitantes da ilha.
De repente tudo clareou e eles voltaram para o local de onde saíram, e o brilho que José avistara há instantes desapareceu, eles entraram na mata novamente, mas tudo estava normal, não aconteceu novamente, agora os dois teriam o grande desafio de saber selecionar as pessoas certas para refazerem o episódio do barco.
Perceberam uma mensagem na areia que parecia ter sido feita com sangue, e tinha a mesma letra da música horripilante:

Bem-vindo ao seu novo lar,
Daqui não irás sair;
Ninguém irá te encontrar,
Dê adeus ao seu doce rir.

Seus sonhos estão perdidos,
Estás preso no mundo sem cor,
A escuridão guiará teus passos,
Dê adeus ao sublime amor.

Bem-vindo ao seu novo lar,
A morte te alcançou,
Prepara-te para o ensaio
Do teatro do formoso horror.

Anton Satanis, 1675.

A letra da música foi composta pelo chamado servo de satanás, certamente era para completar o destino dos rebeldes, como eles lutariam contra essas forças que desconheciam?
O relógio estava marcando quatro horas da tarde, hora de voltar para casa, o casal de amigos já teria descoberto milhares de coisas neste dia cansativo, bastava que alguém acreditasse neles agora, algo imensuravelmente difícil de se ter ideia: como ter-se o alto grau do poder de convencimento?
Ao chegar em casa, José subentendia que teria passado um dia normal, apesar de fechado, disse que teria conhecido uma moça muito bonita, e que teria criado um certo laço de amizade; os pais e a irmã nada poderiam falar de novidade, pois nem saíram de casa. Ao sair da mesa José conversou com sua irmã.
Explicou-lhe de maneira resumida tudo que tinha se passado naquele dia, e sentia que uma presença maligna estava do seu lado enquanto falava, mas continuou em voz baixa; pegou um pedaço de papel e desenhou toda a história que circundava a vila, contou todos os segredos que estavam escondidos em algum canto.
No início, Mariana ficou um pouco cética em relação ao tema, mas logo foi convencida. De repente José sentiu um profundo ódio e uma vontade de escrever lhe acorrentou as mãos, saía de um leve bramido de versos. Talvez, o futuro que estava a acontecer.

 
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