Capítulo II

Na época das férias, os filhos ajudavam os pais (no caso de José, era o trabalho no campo), e assim vivia a família Apólito.
As férias aconteciam de setembro a dezembro, não existia o conceito de primavera e outono na vila, o que eles conheciam era o sol e a chuva, ambas as épocas dividindo o ano (seis meses de verão e seis meses de inverno).
Era o dia de sexta-feira, e José estava no seu período das férias, iria visitar a casa abandonada de Adoniran naquele dia e tentar descobrir alguns segredos, os quais ele tinha certeza que estavam presenciados em alguma carta. Ao término do café da manhã, José foi ajudar o pai na lavoura, e na parte da tarde seria liberado para se divertir um pouco em qualquer lugar da ilha.
O dia começou a ficar estranho, obscuro, com uma aura de névoas intensas; estava frio (época do inverno) e as ruas de areia estavam desertas, os pequenos comércios estavam fechados; parecia que José andava sobre o solo de uma cidade abandonada. Algo ultrapassou os céus, deixando a aparência do dia mais escura ainda, e a cada passo que José dava, parecia que alguém estava o seguindo, parecia que estava sendo vigiado.

Caminhou por vinte minutos e chegou ao seu destino, a casa de Adoniran era a mais distante que tinha, ficava escondida em uma pequena floresta. Ao chegar ali, José começou a ver algumas sombras e algumas vozes vindas do além, até olhava um pouco para trás pensando que alguém estava o chamando.
José não sentia tanto medo, na verdade era muito corajoso e estava muito curioso, mesmo que aquela situação fosse muito assustadora; as árvores deixavam aquela pequena floresta com uma trilha que só poderia ser explorada com mais de uma pessoa, e as pessoas não iam ali por medo, mas José estava contra o medo que estava presente ali nas redondezas.
Ele ouvia como se as folhas estivessem gritando por socorro ao passar por cima delas, tinha uma presença ali que lhe arrepiou a nuca, deixou-o com um pouco de medo, mas iria continuar, e entraria naquela casa custasse o que custar, não importando o medo; era para algo importante, que poderia ajudálo a ir mais além.
Avistou, quase relutante, uma casa de alvenaria (talvez uma das poucas) um pouco distante, e tinha a identificação (Casa de Adoniran Coelho). A casa estava quase caindo aos pedaços, a grande porta de madeira ainda estava trancada e as janelas ainda estavam intactas.
Uma história se espalhava muito rápido no pequeno povoado, todos se conheciam, e até o momento ninguém teve coragem de entrar na casa; haviam relatos de pessoas que ficaram loucas por apenas tocarem na porta ao tentar entrar na casa, haviam relatos que afirmavam com veemência a presença de um espírito maligno na casa, e que esse espírito matou um rapaz chamado Adam que morrera nas proximidades.
O caso Adam já fazia quatro anos, o seu assassino foi condenado à prisão perpétua. Segundo ele, algo teria entrado em seu corpo dias antes do assassinato e ele começou a ter alucinações, e como sentia fome, aquela coisa que estava nele o fez enxergar que aquilo era uma caça, então depois que ele matou, percebeu em seguida que era um menino. O caso ainda não estava tão bem apurado nesse sentido, o que se sabe é que ele cometeu um assassinato terrível utilizando uma faca gigante; nenhuma discussão, e o justo foi feito.
Esses pensamentos permeavam a mente de José enquanto ele se aproximava daquela estranha porta, até que usou uma barra de ferro para arrombá-la e entrar na casa. Ao entrar, percebeu que era muito bonita, apesar de um pouco antiga; era toda revestida de madeira, tinha móveis antigos, com dois andares; por fora fica impossível saber que a casa tinha dois andares.
José já conseguira encontrar o espaço onde Adoniran escrevia suas cartas, era uma mesa muito antiga, mas preservada; a casa parecia até um pouco medieval, parecia que Adoniran era historiador, tinham diversos escritos sobre sua parede, com várias datas; tinham muitos livros em sua casa, com certeza seus antepassados tinham muito dinheiro.
Adoniran também tinha diversos discos, todos de músicas clássicas, e foi assim que José conheceu Liszt. A casa tinha um ar estranho, era muito fria e misteriosa; ninguém teria revirado as coisas lá, era raro a criminalidade na vila, pois as leis eram rígidas, por isso ninguém resolveu assaltar a casa; estava tudo da maneira em que Adoniran deixara.
Ainda tinha respingo de sangue perto de sua cama, tudo muito estranho. Algo não estava certo. José olhou algumas anotações de Adoniran e também concluiu que ele era escritor. Leu alguns excertos e percebeu que o sábio homem estava escrevendo um romance, com os personagens principais sendo Shakespeare e Florbela; era uma nova versão de Romeu e Julieta.
Muito interessante os escritos de Adoniran. No entanto, José continuou a procurar, e entre a janela mais alta da parte de trás do quarto de Adoniran (o quarto dele dava passagem para todos os cantos da casa, até ao andar de cima) havia uma mensagem: Puxe aqui para tirar as dúvidas.
José foi caminhando lentamente, com milhões de pensamentos emergidos automaticamente; quando tocou no local devido, percebeu que havia uma folha áspera, puxou-a conforme pedido, e viu que havia ali uma carta que tivera passado despercebida diante das investigações.

Havia uma mensagem ali, a qual dizia:

CARTA AO DESCONHECIDO

Sinto, enquanto escrevo, algo esquisito passar por mim, algo profano e totalmente imperdoável. Quero dizer a você que está lendo isto que sei que só estás aqui por curiosidade, porque quer saber como que se faz para sair daqui. Eu também tive essa curiosidade há anos, estudei sobre tudo de nossa história e escrevi tudo, tudo está guardado aqui. Essa vila tem uma história terrível, nem tente procurar mais, digo-te apenas que se afaste, que não tente nada, que não tente atravessar esse oceano pela sua própria segurança, é muito sério! Eu desafiei e hoje tenho que me matar para que esse horror não se passe adiante. Ninguém além de você vai saber disso, há algo maligno aqui nessa vila, a história daqui é horrível, e você só não sabe disso porque os adultos escondem, a maioria até nem sabe, pois seus antepassados esconderam deles para não espalhar esse mal. Tenha muito cuidado ao pesquisar, eu sei que você vai descobrir. Irei me matar hoje para salvar este vilarejo, não o deixe com raiva, ele pode colocar alucinações na tua cabeça e fazer você matar as pessoas como se estivesse caçando; você vai matar as pessoas que você ama, você carregará um ódio no seu coração, você passará a ver diversas coisas assustadoras. Entende o que digo? Você passará a ter contato com pessoas mortas.
Terás diversas mudanças negativas em tua vida se continuares a pesquisar, tentar encontrar uma saída, nós estamos presos aqui, infelizmente; ele mata quem tenta se livrar deste lugar, isso é uma maldição, é um eterno ciclo. Você não irá crescer aqui, não terá motivo algum na terra, sua existência é ofuscada. Eu sei que você imagina muitas coisas, eu sei que você quer lugar melhor, eu sei que você quer desafiar este lugar desconhecido pelo qual quer ir; a resposta para suas dúvidas está nesta casa, e eu sei que você insistirá nisso como eu insisti, e só te digo uma coisa: tenha pensamentos positivos, não tenha medo, ele se alimenta dos seus medos, ele quer destruir tudo que existe de bom, ele quer ver a destruição; tudo aqui parece legal, tudo é muito lindo, mas a história é terrível, todo o mal se disfarça de algo bom, não se confunda, não TENHA MEDO. Sendo assim, termino esta carta com este alerta: não deixe sua mente vazia, se você deixar sua mente vazia, com o passar do tempo começará a se exaurir, terminará no fundo do poço, assim como eu.

Deus tenha piedade!

Estas palavras eram muito fortes para José, ele sentia um soluço reverberar pelos cantos da casa, e tocando na janela, começou a enxergar algo diferente, esboçou na tela do horizonte Adoniran pesquisando incansavelmente sobre seu passado, buscando uma solução para o enigma de onde vive. Tudo está triste soando Marcha fúnebre e Adoniran está desfalecendo, gritando de dor, e dizendo: VOCÊ NÃO IRÁ CONSEGUIR, EU IREI VENCER!
E após esse grito, pegou uma faca e se esfaqueou cruelmente, seu corpo estava todo ensanguentado, agonizando. Adoniran disse que havia vencido, que mais pessoas iriam procurar futuramente e iriam conseguir uma solução para este horror.
José voltou para a realidade e quando olhou para trás viu um homem em pé, que disse: Saia daqui! José correu para fora da casa e tropeçou no sofá antes de sair, quando virou para se levantar estava ouvindo muitas vozes dizendo: você vai morrer, você vai morrer, você vai morrer; e uma criança ensanguentada se aproximou dele e disse: agora a sua vida vai ser um inferno, a criança pegou uma faca e correu em sua direção, mas desapareceu antes de esfaqueá-lo.
O rapaz voltou correndo para casa, já eram três horas da tarde, parecia que a noite estava com pressa para chegar. Tudo estava obscuro, seus pais estavam um pouco estranhos, talvez fosse impressão dele. Ao olhar para o distante, viu a sombra de um homem alto, que estava parado em meio às árvores, que logo desapareceu com o vento. Ele ficou se perguntando o que seria tão ruim assim, ficou se perguntando o que tinha de tão mal na vila.
Já que ele estava extremamente curioso, ignorou os fatos assustadores e encarou a carta de Adoniran como uma hipérbole. Para acalmar sua mente, José até formulou a teoria de que o historiador teria ficado louco e alucinado por aquela história, mas sabia que tinha algo mal explicado que alguns teriam passado despercebido ao não serem advertidos pelos seus pais; na verdade, José nunca ouvira seu pai contar-
lhe algo neste sentido, basta saber se propositalmente ou se por falta de informação.

 
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