Capítulo 7

O senhor Beethoven apareceu no pedaço findo da nuvem onde
George estava chorando, a lágrima de George formava uma
tempestade que caía sobre a terra, devastando cidades e
florestas, inundando cada canto onde passava de tristeza e um
pingo de desilusão, por não ter mais aonde ir, o que comer, como
se sustentar com o mínimo de decência com o salário que não
teria mais, pois seu eterno amigo o ajudara financeiramente, e
também só tinha George como companhia, considerado o neto
que ele nunca teve.
Então, enquanto o senhor Beethoven sumiu lentamente,
George fez uma poesia, que poderia ser uma despedida ao seu
amigo, mas também uma palavra de reforço para si, para poder
saber lidar com aquilo. A poesia dizia o seguinte:
MELANCOLIA
O veludo desta noite escura
Reflete em minha emoção,
Que transborda nessa clausura
Tudo aquilo que está preso no coração.
Meus versos pobres de sentido
Entram nas paredes cálidas,
Buscam formas onde é mais bonita
A rima que porá melodias áridas.
Love story hovering in the moonlight,
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The melancholy’s song, in my whisper
Get the mission to float in the night
And conquer your hole as a dreamer.
I’m dead in just two seconds
And this melancholy’s song
Can’t go its way easily,
Because the day is coming,
My soul is in tears, sick and trying…
Lembrar-me daquela letra que me fizera
Acreditar que dentro de mim há salvação.
E quando George terminou de escrever e avistou novamente,
o senhor Beethoven havia desaparecido, e nos céus uma voz
grave:
“As coisas boas hão de serem superiores às ruins”
A voz entoada acima do infinito era o dilema de George, era
idêntica à de Beethoven, George viu aquilo como uma mensagem
de Deus a ele, para dizer que não estava sozinho, que tinha
alguém do seu lado, então George levantou, enxugou seus olhos
e rasgou as nuvens com sua espada e ao cair na terra percebeu
que era uma nova pessoa, sentia-se bem (apesar de no fundo
estar triste), pois tudo está fadado à destruição, à morte e que
apenas nos há salvação quando somos bons, quando vemos
além do que enxergamos e quando tiramos a venda e a cegueira
e as trocamos pelo horizonte e pela verdade.
George lembrara que o senhor Beethoven era agente secreto
soviético, e que os mesmos teriam assassinado sua esposa,
portanto, em seu corpo morto estava escrito ‘Viva a Revolução’,
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escrito com o próprio sangue da vítima, tudo a ver com o regime
nefasto que esses vermelhos defendem. Eles (os policiais) nunca
iriam saber quem tinha matado o senhor Beethoven. George
percebeu que no canto de sua janela havia uma carta antiga,
datada do ano de mil novecentos e oitenta e nove, com os
dizeres: Leia depois que eu estiver morto. A janela de George era
bastante antiga e grande, com arquitetura clássica e rústica, e o
tom da carta idêntico ao da janela, então essas cores
intercalavam-se a modo de não haver como achar esta carta de
maneira a olhar-se superficialmente.
George emocionou-se bastante e se recompôs em seguida,
logo, pôs-se a ler o que seu amigo o escrevera:
Querido George, escrevo-te esta
carta como um lamento, ou como um
desabafo, pois acredito que não irei
durar muito aqui. Minha esposa fora
assassinada brutalmente há anos, e
recebo ameaça todos os dias desses
comunistas canalhas, não me
deixam em paz. Quero te dizer que
meu nome não é Beethoven, mas
Nikolai Glushkov. Vim exilado, sem
expectativa, sem ninguém saber
(nem mesmo os aliados
estadunidenses, apenas os líderes
britânicos) para esta cidade há dez
anos, desde lá ganhei esta nova
identidade, esta nova vida. Toda a
família que não tive é representada
por você, todos os grandes
momentos aqui foram
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protagonizados ao seu lado, se você
estiver lendo isto antes de minha
partida, por favor, não comente nada
disso comigo, finja que nunca lhe
escrevi nada. Mas se você estiver
lendo isto depois de minha partida,
como se por acaso estivesse
refletindo e do nada analisasse que
em conjunto com a janela há um
pedaço de papel, tenho algo a lhe
dizer: imaginei tudo isto
(arquitetando) exclusivamente na
análise de seu perfil, e com certeza
você está lendo isso após a minha
partida (e com certeza você já sabe
que foram os agentes soviéticos que
fizeram isso), triste e desolado
— e já
como não posso falar contigo depois
de morto, resolvi fazer esta carta com
as minhas últimas palavras, e meu
último adeus
—, mas não se
preocupe, lembre
-se de mim pela
pessoa que fui e pelo conteúdo que
eu tinha. Então, meu amigo, é isto,
tudo está fadado à destruição, à
miséria e à morte. O que você fizer

seja como fizer
— faça com
perfeição, e não chore ao se lembrar
de mim, fique feliz por um dia ter sido
a razão de minha insurreição
espiritual e física, pois vejo em ti o
filho e o neto que nunca tive.
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Portanto, grande amigo, adeus! E
antes que eu me esqueça: suba até
o sótão desta casa, e no lado
superior à direita há um pedaço de
madeira acoplado à parede, fazendo
uma espécie de cofre de cinco
metros quadrados, apenas remova o
obstáculo que está solto, depois puxe
a pequena alavanca para abrir, e
puxe para fechar; sendo assim, aí
está a explicação para se quiseres
repetir a ação.
Atenciosamente, seu amigo Nikolai
Glushkov.
George estara com o semblante totalmente surpreendido ao
saber que o senhor Beethoven além de ter uma grande admiração
por ele, ainda o considerava a família que não pôde ser feita por
conta da consequência de um passado negro de Beethoven.
Anexado ao papel estava um documento com o título: As três
poesias que fiz em toda a minha vida. No entanto, essas são as
três poesias:
FANATISMO
Eles estão em frente de um espelho
Que reflete não o que eles querem,
Mas o mais sublime e inegável desejo
Do partido e da divisão proposta pelo chefe.
Eles estão presos nos próprios passos,
Acorrentados na própria liberdade,
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Quebram seus próprios conceitos e sonhos,
Destroem o atônito pingo de moralidade.
Criam suas narrativas contraditórias,
Odeiam a individualidade e o direito de pensar,
Apenas estão seguindo a confusa oratória,
Iludindo-se no próprio conceito de amar.
Amam o que convém ao grupo nefasto,
Promovem o terrorismo psicológico,
A lógica é substituída pela histeria
E o restante está na conta da morte.
O que resta está nos livros amordaçados,
No argumento distorcido em coletivismo,
No SOS plantado ao caos e mortandade,
No sangue irretorquível do fanatismo.
E fanatismo não é exaltação frenética,
Nem sinônimo disto que se diz,
A moderação molda toda estratégia
Que no final, quando se pensa é infeliz.
Ao fanático: o que lhe resta da essência?
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INTENTONA DESTROÇADA
Perguntas não valem nada
Quando a dúvida é passageira,
A “democracia” que eles pregam
É a mancha da morte que grita a sentença
De quem nada fez pra merecer isto:
A revolução imposta pelos gritos perdidos
Nos próprios ecos de sua infame utopia.
A fome agride, e quem a fez acontecer,
A cada dia ganha ao ouvido a ensurdecida
E devastadora onda sonora de socorro,
Mas não para ele, mas para o vizinho,
Que tenta ajudar, mas não é permitido.
Queima como a larva do peso lançado na garganta
Toda a esperança de quem se dispersa em prantos,
Todo o amanhã visto em grades do quarto sem vida,
Na derrocada de uma armadilha feita nas entrelinhas,
Nos cantos do genocídio exposto à latrina vermelha.
O véu da horda empáfia de iludidos
Em beijos, faz juras de amor ao rei sanguinário,
E põe culpa a quem é servo de Cristo,
Em quem é contra a ideologia da promiscuidade,
Que seus componentes têm ouro e seu povo é miserável.
As intentonas de zumbis intercalados
Sob a foice que esmaga o pingo de moralidade,
Sob a desculpa da doce e invisível igualdade
Distribui igualitariamente a destruição e fenecimento
Transpassado em linhas já usadas na modernidade.
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Deus que ajude quem está nas mãos ímpias
De um ser desumano que ri da calamidade,
Que é massageado e alimentado pelos militantes
Que não veem além de seus sentidos vagos,
Alçados pela cegueira mais cortante.
Deus que ouça a voz de nossos pobres irmãos,
Que banhados de farpas, vidros e concretos,
Lutam pela sua mais sonhada liberdade;
Deus que livre esta honrosa e gloriosa nação
De perecer em planos que vagueiam na calamidade.
A revolução imposta pelos gritos perdidos
Estão se afogando na união de novos ares
Inspirados em lutas, um dia invencíveis,
Que proclamaram grandes homens
Que libertaram a humanidade!
A revolução imposta pelos gritos esquecidos
Achara em suas raízes, o próprio fim.
NÃO AGUENTO MAIS!
Não aguento mais este mar de sangue,
Tantas pessoas que perdem sua essência,
Tantas culpas e desculpas a tudo,
Porque inocentam o real culpado.
Criminalizam todos os inocentes
Só pra sentir o gosto da própria maldade,
Politizam ou ridicularizam mortes
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E eternizam a de quem convém.
E o silêncio dos bons é a arma
E a munição única dos maus;
Crianças são assassinadas sem motivo
E isso é aplaudido e aclamado como lei.
Armas em mão sangrentas matam,
Mas em mãos com a luz e a transcendência
Que reverbera intimamente à alma é defesa
Que os hipócritas não veem por amarem o errado.
E a banalização da vida é cega e surda,
Entra na mente mais fraca e vitiminsta,
Eis a razão unânime para qualquer atrocidade,
Quem não pensa, morre e mata por ser egoísta.
Não aguento mais esta loucura
Disfarçada de uma fase da adolescência,
Podem destroçar e triturar os justos,
Mas o culpado será os que têm decência.
E as trevas vêm com o auxílio da covardia
E recruta com sua droga mais atraente,
A noite passa e o submundo reaparece
E prende o coitado no abismo fervente.
Inocentam os culpados, demonizam inocentes.
Maze, how do you know them?
The answer is on the television screens.
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George, se um dia você se tornar um escritor, filósofo — entre
tantas coisas que você quer ser —, não se esqueça de anexar
essas três poesias em seu livro, e colocar o pseudônimo: Rapb
(ao contrário fica Bpar: inimigo em russo). Assim, mesmo
ninguém me conhecendo mais, minha luta contra os comunistas
sempre ficará incólume, sem falar do que lutei contra nazistas,
fascistas e todos os revolucionários, aos quais tenho meu mais
profundo ódio e desprezo. No entanto, amigo, era apenas isto.
Fique com Deus! Agora vá ao sótão buscar o que agora é seu. —
assim despedira-se Glushkov.
Um dia muito louco e cansativo para George, estava triste, mas
ao mesmo tempo pensando no que o futuro poderia proporcionar-lhe
na maior magnitude de seus passos, então foi ver o que o
senhor Beethoven (sempre será lembrado com esse nome); na
realidade George nem sabia que existia um sótão em sua casa,
e depois de uns dez minutos descobriu que estava acoplada uma
escada bem ao lado da janela de seu quarto (a escolha da janela
foi uma boa pista para colocar a carta). Era uma espécie de
esconderijo da casa — juntamente com um porão — (que ele vai
descobrir no mês seguinte), George subiu lentamente os degraus
do século passado e avistou lá em cima uma bela e conservada
sala, quase um escritório, e um retrato de Beethoven na parede,
sim, aquele era o refúgio de Glushkov logo quando chegou
exilado em segredo.
No canto superior à direita havia um papel, com determinados
dizeres:
Aqui está o que guardei a ti!
Então George repetiu o que foi indicado pelo grande amigo, e
quando puxou a pequena alavanca, abriu-se uma comporta onde
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dentro estava uma enorme quantia em dinheiro, e um pequeno
pedaço de papel:
Não gaste tudo, tenha controle sobre
esse dinheiro, isso é para você se
manter vivo. Daqui a algum tempo, abra
um comércio pequeno ou dê algum jeito
de ganhar sua vida honestamente
perante a lei, aqui dentro tem todo o
dinheiro que juntei na minha lojinha,
todos os meus bens, cerca de cinquenta
mil dólares. Saiba administrar bem, e
saiba crescer com essa quantia, use o
dinheiro a seu favor. Muitos que são
ricos hoje começaram com um valor
risível.
George entendeu o recado muito bem e iria por em prática;
como diz seu dilema: as coisas boas hão de serem superiores às
ruins.

 
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