Aos poucos ele foi se entrosando com Alice, e descobriu que
ela tinha dezenove anos, e que era filha do Senhor Cavalcante,
no entanto, tinha no seu nome Alice Cavalcante; ela trabalhara ali
e no ano seguinte faria faculdade de psicologia, ela era solteira,
mas não tinha pretendentes.
Os dois eram amigos, já haviam saído diversas vezes, iam no
Shopping, no cinema, em todos os cantos; até haviam viajado
para São Paulo a mandado do Senhor Cavalcante para
resolverem um problema da empresa. George era muito
respeitoso, já com vinte e um anos ainda era puro, nunca havia
namorado, apenas se imaginava com Megan, mas ela já havia
partido.
Ficavam em hotéis luxuosos (quando viajavam) pagos pelo
chefe, e sempre dormiam em camas separadas, ela dava indícios
que gostava dele, e ele sempre era pessimista demais, porque
sempre inventa coisas em sua cabeça psicodélica, mas até que
estava sendo boa essa experiência.
Ela estava sentada ali fazendo seu trabalho, e o poeta deu uma
pausa no seu e resolveu rabiscar uns versos para ela, que tinha
uma beleza extra que deixava George abismado; então começou
a pensar nas palavras certas, mas não existiam palavras certas,
eles já tinham vivido muitas coisas, muitas emoções,
compartilhavam histórias, sonhos; riam e choravam juntos e já se
conheciam a mais de um ano, e ela não tinha nenhum
pretendente.
Ele não sabia com que palavras começar, estava mais difícil
que o normal fazer aquela poesia, suas mãos congelaram, e ele
se encontrava naquele mundo sombrio, tinha um quadro imenso
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e clássico e dentro tinha um giz; como música de fundo soava o
prelúdio em dó maior, de Bach. E os versos surgiam…
Quando ele se deu conta já tinha escrito tudo, e faltava colocar
em um envelope (e o fez), e ainda por cima seria homem o
suficiente para chamá-la e dizer para abri-lo (o envelope)
somente em casa. Uma carta em forma de poesia, e ele ainda
disse: Pense bem nesse assunto profissional. Ela estava nervosa,
mas concordou.
Já haviam se passado um ano, e apenas nessa semana
acabaram os exemplares de Alvorada, e ainda tinham muitos
pedidos, as pessoas ficaram eufóricas e procuravam este livro em
todos os cantos; George estudou lançar seu novo livro, que se
intitularia O oceano invisível.
Dessa vez deveria pedir dez mil exemplares (apenas para
testes), que daria cento e cinquenta mil reais (R$150.000,00), e
ele tinha o dobro disso, então seria um novo investimento. Os
investidores não precisaram ajudá-lo dessa vez, pois ele já tinha
como ser independente, e dessa vez seu lucro poderia ser de até
duzentos mil reais (R$200.000,00, tendo em vista o valor que iria
gastar (R$150.000) e o valor que ganharia
(10000×35=R$350.000); subtraindo-se 350-150= R$200.000,00).
Muito simples e objetivo, tudo poderia acontecer, inclusive o
fracasso desse novo livro.
Por que não precisaria gastar em propagandas? Porque tinha
um saldo de cinquenta mil, valor esse daria infinitos benefícios na
hora das vendas. Sem complicações matemáticas, o Senhor
Cavalcante aprovou a proposta de George e em até dois meses
seu novo livro estaria pronto. E assim seria a estratégia do poeta,
se em outros tempos a procura de Alvorada tivesse muito grande,
certamente fariam novos exemplares.
O que não poderia acontecer era o poeta não inovar, inclusive
estava até trabalhando para seu nono livro, os escritos eram
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gradativos, os poemas já somavam mais de mil, somando dois
livros a mais, ou seja, dez. Mas George separava um montante
de papéis a cada cem poesias, e preferiria escrever romances e
usar esses poemas nos romances.
Tudo indica que se ele continuar nesse ritmo alguns de seus
livros iriam fazer sucesso no exterior, quem sabe o que iria
acontecer… por que não?
Tudo pode acontecer, inclusive nada! Deus iria ajudá-lo,
inclusive ele mesmo sempre punha Deus em primeiro lugar, feliz
é aquele que clama por ele nos momentos ruins, mas não
esquece dele nos momentos bons. As manhãs ensolaradas
davam um leve toque nos ombros de Iracema, e o rio se vestia de
encanto e visitava as margens do sentimento, com o codinome
felicidade, e formavam também cachoeiras, ou o resultado de
todo esforço, sangue e suor.
Nas paragens da escadaria para o infinito, haviam infinitas
incógnitas, entre elas estava o SE, hipótese, mas a mais comum
era por quê.
Mas para George, a dúvida estava encaixada àquela noite, e
ele se perguntava como estava a reagir Alice ao ler sua carta, em
sua vitrola tocava o terceiro movimento de sonata ao luar (3rd
mov. Moonlight Sonata), de Beethoven. E em suas mãos estava
a antiga máquina de escrever, agora ele iria usar todo seu
sentimento, expressando-o por meio de um soneto:
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DEIXE-ME
Se estás a me ouvir na escuridão,
Diga-me por onde devo começar,
Dê-me o combustível, que é o seu olhar,
E diga-me como chegar no coração.
Diz-me mesmo sem pensar
O que desejas para si, ou para o futuro,
Deixe-me ser o teu porto seguro,
Morrer no pranto, para te encontrar.
Deixe-me ouvir teus segredos,
Deixe-me encontrar a tua voz
E o teu grito de esplendor.
Deixe-me proteger teus medos,
Deixe-me ser o sentido algoz
Que completa todo teu amor.
Ao terminar o soneto, sua vitrola soou Sonho de amor
(Liebestraum No
. 3), de Liszt, e alguém estava batendo em sua
porta, o relógio marcava dez horas da noite, sem esquecer que
sua casa era muito bonita, só tinha um quarto com um banheiro
dentro dele; ao todo mediam vinte por dez (20x10m). Tinha uma
sala mediana, uma cozinha, e no quintal tinha uma piscina, mas
era tudo bonito, móveis de primeira qualidade, as paredes eram
revestidas de uma madeira muito bonita, e tinha uns quinze
quadros de arte pela casa.
George se direcionou à porta para ver quem era, e para seu
susto Alice estava ali, ficou parado uns três segundos, e dirigiu a
ela: Boa no … foi totalmente interrompido por um forte ósculo de
Alice, e ela disse: Sim, eu aceito. Ele então retribuiu com mais
fervor, e ao adentrarem o quarto, sua vitrola estava soando a
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queridinha de George Clair de Lune, era umas das suas
preferidas; a magia dos céus sobrevoaria a música que estava no
ambiente; estava tudo diferente, era algo lento e as estrelas
pairavam nos olhos de George.
Alice estava no fundo do oceano, os sons que saiam de seus
lábios eram tão sublimes quanto o som da tempestade; George
sonhava com isso quase todas as noites, e acordava atordoado;
Alice tinha um desejo tão grande pelo poeta, que nem sabia
explicar com palavras, mas com gestos. No ápice daquele sentido
incompreendido, os dois suspiraram ao mesmo tempo, e um
arrepio transcendental unia os dois naquele momento, e no
término deste choque, Alice estava deitada nos braços de
George, ele estava acariciando seus cabelos e seus braços. E
ficaram conversando por alguns minutos.
George lembrara da poesia do Sir. Cavalcanti (que na verdade
sempre fora ele mesmo), começou a recitar para Alice aquele
mesmo poema, feito no momento em que sempre teve vontade
de estar, declamou apenas uma estrofe, que descreve muito bem
o momento que acabara de acontecer.
Estás a olhar-me no polor da armadilha,
Alçando-me o peito do fragor acachapante,
A tez dos teus olhos, a acácia mais errante,
O ósculo perfeito, indolor que exaspera a lira.
Alice ficava surpresa com a capacidade de George para
escrever, isso a fascinava. Passando-se um tempo, os dois
iniciaram o ciclo novamente por mais meia hora, e adormeceram.
Ao acordar, George percebeu que não era ilusão, pois Alice
estava ali abraçada nele bem forte, e ele a esperou acordar,
estava com aqueles traços de perfeição em seus braços, ele a via
respirar lentamente; ela acordou tempos depois e deu um belo
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sorriso e disse: Bom dia, amor! Esperei ansiosa por esse
momento. George disse o mesmo, e os dois levantaram, e se
arrumaram para mais um dia de trabalho e de batalha, para à
noite, voltarem ao descanso.