A sua liberdade sobrevoava sua ilusão, e seu coração
psicodélico estalava de dor, os dias passavam lentamente, e
parecia que George ficava cada vez mais decidido que seu
coração inventara um idealismo, mas não tinha síntese na
realidade, era imaginação, como se só houvesse uma antítese
(que era ele mesmo querendo acreditar que o sonho era
realidade).
O livro de George sairia a duas
semanas, estava tudo pronto, as mídias
divulgavam a todo vapor. Aliás, o poeta
seria descoberto pela maior editora do
Norte, cujo dono tinha muitas influências
em todos os lugares. Tudo estava
esquematizado, o antigo morador de rua
agora tem casa, e vai lançar um livro.
George não tinha muito conhecimento
em economia, mas sabia a fazer a
essência da palavra (literalmente), não
estava tão melancólico hoje, mas sentia-se
um pouco vazio, e na parede continuava a soar: As coisas boas
hão de serem superiores às ruins.
A liberdade às vezes lhe prendia, na pior das hipóteses, dentro
de si mesmo; as manhãs misteriosas sempre lhe davam bom dia,
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e a névoa que cerca a manhã lhe dizia: Hoje o sofrimento será
menor.
Ele tinha uma pequena e clássica vitrola na estante de
madeira, as pessoas jogam coisas valiosíssimas fora, quantos
não querem voltar às antigas nos dias de hoje e ouvir um disco
na bela vitrola? Por algum motivo o rapaz era muito clássico,
gostava de literatura antiga, de músicas antigas, queria muito
voltar na idade média para escrever alguns versos no início da
civilização ocidental.
A música clássica lhe fascinava ainda mais, e o poeta tinha
vontade de aprender a tocar piano, e como primeira música queria
tocar Clair de Lune, de Debussy. Ele sempre se imaginava com
Megan à beira da praia com essa música. Novamente a melodia
lhe fez sair do plano real, e ele caminha sobre uma passagem
escura, escutava apenas o eco de seus passos, e uma voz que
pedia para ele continuar caminhando, como se tivesse correndo
perigo.
Agora ele se encontrava em uma longa estrada, era cercada
de montanhas, montes, planaltos altíssimos e com um abismo
que nem se via nada abaixo além da escuridão; ninguém parecia
estar ali, era uma vista incrível e assustadora, o tempo estava
nublado e parecia que iria chover, muitos raios caiam sobre a
cabeça de George, mas nada ele sentia.
Caminhou mais alguns segundos fascinado com a paisagem
que via, parecia estar dentro de um quadro, como se fosse uma
escultura gigante que não enxergava nada; como se fosse um
futuro dentro de um museu, assim estava o poeta, sem nem saber
que estava dentro de si mesmo.
Quando percebeu quase caiu, não havia ponte que
atravessasse para o outro lado, e de repente ouviu que Megan
clamava por socorro e gritava seu nome, estava perdida ali, por
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isso não aparecia mais nos sonhos dele. Ela parecia não enxergar
nada, e tropeçava em sua própria sombra.
A tarde estava se preparando para descansar, Megan estava
a soluçar do outro lado, estava escuro e o pôr do sol nem sequer
apareceu naquela tarde, com um pedaço de pedra que tinha nas
mãos, escreveu no asfalto:
ESQUECER
Quero ser teu infinito,
Quero ter a ti nas noites difíceis,
E quando o choro me censurar,
Não há como libertar,
O que a liberdade deixa invisível.
Uma noite triste e vazia,
Nas paredes deste céu amargo
Há na tez da eterna escuridão
As cordas que acorrentam o coração,
Há uma esperança perdida no lago.
Nesta noite triste e vazia
Há um cálice no cansado grito
Agonizando sobre a chuva.
Há no passado um espelho
Onde havia um amanhecer bonito,
Onde nos céus tu estavas a sorrir.
Como posso eu deixar de existir
Se a solidão te mostra em meu medo?
O que resta ao vento é soar o desejo
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De entregar o teu perfume a mim.
O que resta ao vento é soar o desejo,
Levar lembranças ao que tento esquecer;
Por que que o espelho não desaparece,
Para teu reflexo se unir ao meu?
Quando George terminou de escrever sua frágil poesia uma
grande ventania se iniciou, parecia um terremoto, tudo estava se
destruindo, tudo estava se acabando e ele não conseguia
enxergar nada, parecia uma corrente que lhe arrastava
violentamente, sem dó nem piedade.
George deu um grito e tudo parou, percebeu que estava do
outro lado, e percebeu que lá a lua estava aparecendo, e era
muito grande e tinha um brilho azulado com os de Megan, e um
reflexo o fez perceber que ela estava dormindo nos cantos do
abismo, era uma ilusão de óptica, o que ele achava que era o
outro lado da estrada, era na verdade a parte de baixo do abismo,
e lá era tudo mais bonito e não havia motivo para ter medo.
Sem acordá-la abraçou-a levemente e acariciou seus cabelos,
a viu dormir por algumas horas, e quando ela acordou do nada
evaporou ao ar, deixando George cada vez mais triste e
deprimido, e ficou com medo de que seu último verso da poesia
tivesse se concretizado agora.
Quando ele se deu conta começou a chorar demasiadamente,
a tempestade começou a soar no horizonte, elas se
transformaram em um mar revolto, ele estava se afogando, as
ondas eram gigantescas e passavam os quarenta metros, a água
estava com o gosto da amargura, e um pouco mais de solidão;
parecia que milhares de tsunamis lhe acorrentavam as costas, e
ele de repente não conseguiu mais respirar; estava acabado,
louco e desvairado no fundo do oceano de sua própria angústia.
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Ri, palhaço! Soava num tom melancólico, à espera dos últimos
acordes mais belos, quando eles chegaram um trovão atravessou
as vestes da dor.
George foi parar em uma rocha revestida de diamante, e no fim
da estação, escreveu: Estive na realidade de um mundo de ficção,
e esta realidade me levou a lugares onde nunca pensei que ia, as
melhores viagens foram feitas em minha mente, e por mais que
nada passasse de uma cortina, eu tenho certeza que alguém irá
me aplaudir nessa encenação toda que é a vida.
As rochas introduziam a um caminho único, e seus diamantes
ofuscavam seu reflexo sobre o espelho da alma, nada era mais
comum que o incomum de se pensar em algo que não existe. O
suprassentimentalismo de nada vale se não for compartilhado
com alguém; aliás: uma parte sua que completa a outra pessoa,
no caso de George, uma pessoa que lhe afagava o peito à noite,
que lhe dava carinho nas horas de devastação, apesar de
inexistente, um dia se materializaria nem que fosse num pedaço
de papel; materializa-se em todos os poemas dele, pois eram
escritos com a alma e com o sentimento, e uma coisa só vale
quando é sentida, quando é eterna ao durar até a manhã.
E assim seguia a vida de George, a caverna estava se
fechando e ele estava sem saída, as águas do mar estavam
cobrindo a superfície, e ele conseguiu achar uma passagem
secreta dentre os diamantes esverdeados que quase não
brilhavam, conseguiu juntá-los, uma fenda se abriu lentamente e
uma luz muito forte reverberou seus cansados passos.
Então caminhou um pouco, e no contorno das rochas via que
no outro lado havia um mar infinito, porém, escuro. Caminhou
lentamente até não conseguir enxergar absolutamente nada, uma
voz sempre salientava seu passo seguinte, sempre pedia que ele
continuasse, sem olhar para trás. A luz foi ficando mais fraca e de
repente ele se encontrava (novamente) em um lugar muito
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escuro, ele apenas enxergava o reflexo de seu subconsciente,
estava dentro de cada conceito que ele já tinha inventado, uma
fenomenologia diferente.
Percebeu que estava sonhando acordado, e que a poucos
centímetros tinha um piano muito clássico e grande, ele mesmo
sem saber tocar, conseguiu interpretar o que estava escrito em
suas mãos, uma música profunda e muito bonita soava
lentamente, prelúdio em mi menor, de Chopin. Enquanto
prolongava-se o decorrer da melodia, ele percebia que várias
imagens estavam em sintonia com cada nota, eram as
lembranças, e Megan fazia muita falta, e estava ali dançando
levemente com ele, no coliseu do infinito, estavam em uma sala
banhada a ouro, com arquitetura gótica, um candelabro de ouro
estava reverberando um feixe de luz que os levava para o
horizonte de seus próprios desejos, e a música estava acabando,
morrendo.
Novamente, ressurgiu das cinzas a parte final de Ri, palhaço;
e George estava jogado no chão, as trevas remoíam sua ilusão,
ele chorava dolorosamente, com toda melancolia que havia no
universo. Seu peito estava apertado feito uma fenda quando se
une.
A máscara estava recolocada, e o poeta estava contemplando
a beleza do Rio Amazonas, as árvores balançavam e o canto dos
pássaros indicavam que a noite estava chegando, bem como o
arrebol que cantava nas bordas do céu, o encontro das águas era
como seus sentimentos, e sua essência estava na poesia. Como
seria o infinito? Como seria esse azul sem dimensão? Como
seriam esses passos sem direção? Como tudo seria sem a
poesia?
Hoje ele não está tão inspirado, faltava um dia para seu livro
ser lançado, ouvia Dicintello Vuie e estava apenas observando a
natureza. Sentia falta de sua mãe, lembrava de como seu colo
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era confortável e seguro, aqueles porcos soviéticos comunistas
haviam a matado, ela era brasileira e tinha se apaixonado por um
russo, mas tudo deu errado, e realmente ela colocou George no
embarque de um avião e ele veio parar no Amazonas, quem
cuidou dele foi uma tribo de índios, mas eram bravos como leões.

 
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