Passando-se um certo tempo, George estava começando a
ganhar dois mil reais por mês, fruto de seu imenso esforço e
dedicação, agora em seu montante guardado já tinha três mil
reais. Ele viu que já dava para ele fazer alguma coisa, já com vinte
anos.
O tempo passava muito rápido, ele já tinha em suas mãos
oitocentos e cinquenta poesias, e não sabia nem como começar
a fazer alguma coisa para lançar um livro. Olhou no relógio e já
marcava cinco e meia da manhã, então começou a se preparar
para mais um dia de batalha, agora tinha uma bolsa nova e bonita,
roupas decentes; o relógio tinha custado vinte reais, mas tinha
uma boa aparência, seu sapato era um Nike falsificado, também.
O poeta resolveu segurar mais um pouco aquele dinheiro, não
passava mais fome e tinha trabalho, estava pensando não sei em
que, mas em longo prazo; comprar uma casa talvez? O tempo
diria a esse rapaz o que fazer, nem muito conhecimento de
economia ele tinha, mas sabia como economizar.
O rapaz também tinha algum conhecimento em inglês, além de
ouvir muitas músicas, também tinha um dicionário bem extenso
que tinha achado no lixo. De vez em quando ele tentava escrever
alguma coisa em inglês, e não sabia se tudo estava certo, se tudo
estava errado ou um meio termo.
ABYSM
I liked her, but her wasn’t here,
She was inside-me, probably killing me;
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I wrote millions of verses to your heart
And the silence reverbed of your part.
Why you were not here?
Now the darkness is in tears,
Remind me of what you told me
And cry what nobody never cried.
The whisper of the void
Kissed my solitude yesterday,
And I saw in your eyes,
Sighs of pain in my ocean.
Why you don’t here?
The stars are waiting
The day that never will arrive,
I certainly will die here, in abysm.
Como que uma pessoa que não existe pode mexer tanto com
o pensamento de um homem? Não sei, isso é coisa da segunda
fase do romantismo, mas George não era boêmio nem
tuberculoso; ele sabia que nada era fácil, e a tristeza sempre
vinha atormentá-lo à noite, sempre trazia uma figura inexistente,
e sua mente sempre caia na própria armadilha.
Ele era metade Álvares de Azevedo, metade Vinicius de
Moraes nos seus sentimentos, mas na poesia buscava ser ele
mesmo, queria inventar uma nova forma de escrever poesia, uma
forma que levasse a pessoa a reflexão, essa mudança não
poderia ser na estrutura da poesia, mas no seu cerne. Se tudo
estava ruim, de alguma forma terminaria bem; aí está a ideia.
Ele queria conhecer o Teatro Amazonas, e conheceu, a capital
por mais que tivesse seus problemas, ainda havia alguma cultura,
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diferente da cidade onde antes ele estava. E conseguia vender
muito bem alguns panfletos por cinco reais; tinha vezes que ele
levava até cem para vender lá, e conseguia vender tudo, algo
totalmente impossível na Cidade das Pedras.
Nos seios de sua vista, contemplava aquele lindo Rio
Amazonas, tinha na sua frente o maior rio do mundo. Para que
mais privilégio?
George começou a correr atrás e foi estudar, não em escola,
mas sendo autodidata, para ele de nada servia a escola atual (no
Brasil), senão para doutrinar e dar um papel idiota para dizer que
a pessoa está formada, mesmo ela não sabendo de nada, era um
absurdo você passar automaticamente sem mérito algum no fim
de ano.
A escola é muito importante sim, mas a forma como ela está
sendo usada, não vale de nada, apenas para formar militantes.
Então George optou por estudar e ser escritor, e no futuro, se
quisesse algo que fugisse de seus planos, faria uma faculdade,
mas não no Brasil, sim na universidade que mais se destaca, na
melhor.
A biblioteca ficava muito longe, então ele entrou na livraria mais
próxima e foi pesquisar uns livros para que aprendesse algo sobre
matemática, ciências, e um pouco de filosofia, mas para
desinteresse dele, só tinha livro comunista lá, livros que ele já
tinha lido há anos quando encontrou no lixo.
Algum dia ele encontraria uma livraria com livros de seu real
interesse.
Foi para o seu trabalho, fez o que tinha de fazer, e no outro dia
tinha em sua mente que procuraria uma editora para tentar lançar
seu livro, dormiu aguardando ansiosamente, ele poderia colocar
cem poesias em cada livro e fazer oito; ou colocar cinquenta como
muitos faziam, e automaticamente ter dezesseis livros; ambas as
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maneiras já poderiam consolidá-lo de vez no universo literário, se
ele morresse ali, já muito para contar em seus versos.
Dezesseis ou oito obras com vinte anos? Uma glória! Mas ele
queria muito mais, queria se destacar, não ia pelo que parecia ser
mais fácil, apenas pelo número; faria diferente colocando cem
poesias em cada livro, e iria lançar gradativamente conforme o
decorrer do sucesso ou fracasso.
AS COISAS BOAS HÃO DE SEREM SUPERIORES ÀS RUINS
Sua frase estava um pouco apagada bem na parede de seu
quarto, o pedaço de papel estava quase dando lugar ao pó, foi
substituído. Ele também tinha um papel em que lá estava todos
os seus planos do dia, ele seguia à risca as regras que ele mesmo
tinha criado, era pontual e extremamente respeitoso com aquilo
que estava ali, ele tinha ideias firmes e sempre que queria fazer
alguma coisa abria uma exceção ao papel; logo, colocaria metas
em outro papel.
Com o cronograma ficava mais fácil de ele organizar seu tempo
e não o perder com coisas que não darão resultado nenhum. Mais
uma manhã estava nascendo, George foi se alimentar, conversou
um pouco com Marcos, seu grande amigo, e salientou que já tinha
mais de oitocentas poesias e que iria procurar uma editora.
Marcos não tinha conhecimento nenhum sobre o assunto e
apenas apoiou fervorosamente, ele sempre dava apoio aos
projetos de George, o apelidara de poeta, então sempre que o
poeta chegava ele se sentia melhor, como se fosse o seu filho. O
poeta já estava muito melhor de vida, sua aparência estava
decente, e ele não era feio, mas a Megan que ele procurava não
estava naquele mundo, assim ele costumeiramente pensava.
Ao terminar sua bela refeição, pegou um táxi e pediu para ir a
uma editora de livros, que ele queria lançar o seu livro e não sabia
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onde tinha uma. O Senhor João, o taxista, era uma boa pessoa,
conversava bastante e criava um ambiente muito saudável, era
gordo e careca, e tinha por volta de quarenta e cinco anos; logo
se tornaram amigos.
George tinha uma alma antiga e sempre se dava melhor com
os mais velhos, sabia conversar e tinha uma conversa muito
madura, não era do tipo de jovem medíocre que não vê além do
que querem que ele veja. O Senhor João quase atropela uma
velhinha quando o poeta disse que tinha mais de oitocentas
poesias, susto comum tendo em vista a vida de George.
Passaram-se vinte minutos e chegaram ao destino, e o Senhor
João disse:
— Quer que eu vá lá com você, filho?
— Se não for muito incômodo, pode vir! — respondeu George.
— Então eu vou acompanhá-lo lá, sou bem conhecido aqui na
área, e com certeza terá mais desconto. — disse o Senhor João,
sorrindo.
A editora não era grande como a
Winston, mas era muito bonita, e
nem era tão pequena assim, em seu
letreiro estava: Editora Manaus.
Era a maior editora de Manaus e
sempre lançava algum escritor
amazonense no mercado, até agora nenhum conseguiu se
destacar em nível nacional, eram poucos pois não davam muito
valor, era melhor bestializar a população com o famoso pão e
circo, com programações idiotas na televisão; mas por algum
motivo George acreditava que conseguiria esse derradeiro
objetivo: fazer sucesso no Brasil com qualidade na literatura, não
apenas fazendo algumas letras de músicas, achar que está
lutando contra ditadura e conseguir pelos métodos gramiscistas,
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lançar umas três a quatro obras risíveis e ser condecorado a nível
nacional por ideologias.
George queria se destacar pela sua autenticidade, e tinha
certeza que iria despertar o interesse das pessoas em suas
poesias; elas poderiam não ser as melhores, ou poderiam ser.
Quem poderia responder essa pergunta senão o grande público?
Os dois saíram do carro e marcharam até a entrada da editora,
era um ambiente quase luxuoso, era bem organizado, tinham
muitos livros.
Esperaram uns dez minutos para serem atendidos, a moça que
estava ali chamara a atenção de George, mas não era branca e
loira, com olhos verdes; era morena, cabelos extremamente lisos,
olhos negros, era uma bela moça com traços indígenas, a mais
bela amazona!
Era a primeira mulher que lhe chamara atenção naquele tempo
todo, mas tudo normal; George agiu normalmente, mas não
parava quieto ao saber que a mulher não parava de olhar para
ele, ainda tentava fingir.
— Bom dia, o que vocês desejam? — perguntou a moça
delicadamente, com sua voz de seda e olhar fixo para George, e
sorrindo ao mesmo tempo.
— Eu queria saber como faço para lançar meu livro. — disse
George, gaguejando um pouco.
Ao fundo estava soando o noturno de número dois, de Chopin,
era um ambiente chique, sim, para muitos iria ser; no piso tinha
uma espécie de madeira rústica, e as paredes também eram
revestidas dessa madeira, tinham muitas obras de arte, e a
principal George estava contemplando ainda mais.
A moça tinha um belo sorriso, seus dentes eram muito brancos,
suas acácias eram longas e macias, e ela sempre a ajeitá-las
carinhosamente. Então, sorriu levemente, e respondeu:
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— Você tem que fazer primeiramente um orçamento conosco,
depois você pode entregar os originais para que possamos
analisá-lo.
George ficou sem respirar por uns segundos e pediu para que
ela explicasse novamente, estava apenas olhando em seus
lábios, flerte a moda antiga mesmo.
Eles ficaram discutindo alguns instantes sobre o assunto, e
George lançou sua proposta: cada página sairia por dez
centavos, multiplicado por duzentas páginas de seu livro
resultaria em vinte reais; queria inicialmente cem exemplares, que
daria um valor total de dois mil reais.
A moça chamou o gerente, Tiago, e discutiram acerca do
orçamento. George foi bem firme quando quiseram deixar por
quinze centavos cada folha, mas ele não teria como pagar mil
reais a mais. Aliás, o valor que a empresa cobrava era quinze
centavos por cada folha; porém George lançou sua proposta
arrebatadora, sem contar com a capa que variava o preço pelo
designer, cobravam dois reais por página para a revisão, e
George não precisaria disso pois sabia, já tinha lido milhões de
vezes suas poesias e não continha erros de português, e a
diagramação também estava dois reais por página, mas ele
queria que saísse por um e cinquenta (economizando cem reais).
Sim, George era persistente e sabia conversar e negociar, ele
conseguiu fazer com que o gerente conversasse com o dono, o
Senhor Roberto Cavalcante, e para a surpresa de todos
conseguiu conquistar o carinho do velho senhor de setenta e
cinco anos; ele viu em George um futuro promissor, sendo que
ele precisaria de uma oportunidade, se as pessoas gostassem
daquele livro, o poeta poderia encomendar mais, dando mais
lucro para a empresa.
Passaram mais ou menos uma hora conversando, e chegaram
no acordo de reduzir o valor de cada página para dez centavos,
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porém o valor da diagramação seria o mesmo, para ajudar
George a capa do livro sairia de graça, e ele iria pagar uma taxa
de dez por cento na próxima edição do livro por causa do
marketing que a editora ia fazer, por causa dos cartazes, por
causa dos anúncios nas rádios, esse tipo de coisa; ainda foi com
muita luta, pois George queria que fosse sete por cento, mas para
que facilite a compreensão, portanto:
Se George conseguisse vender esses cem livros e mandasse
fazer mais mil para a segunda edição, já sairia por vinte mil o valor
total; o poeta irá vender cada exemplar seu (para suprir a dívida
ou investimento) por vinte e cinco a trinta reais (suponhamos que
por trinta), portanto, terá o valor líquido após a venda de todos os
livros equivalente trinta mil reais (R$30.000,00), caso venda por
vinte e cinco reais o valor cai para vinte e cinco mil (R$25.000,00).
Já que George (suponhamos) conseguiu vender esses mil
livros, desse valor de trinta mil reais, dez por cento (10% –
R$3.000,00) vai para a editora e vinte e sete mil (R$27.000,00)
fica para ele. Basicamente isso.
Ficou acertado isso, George começaria sua vida de escritor
lançando cem exemplares, investindo um total de dois mil e
quatrocentos reais (R$2.400,00), venderia cada livro por trinta
reais e teria um saldo de seiscentos (R$3.000,00 — R$2.400=
R$600,00 de saldo, saldo positivo), se ele fizesse por vinte e cinco
reais cada exemplar, teria saldo de apenas cem reais.
Ah, como o capitalismo é bom! Tem um detalhe que passou
despercebido: George tinha comprado uma máquina de escrever
usada por duzentos reais, o sujeito estava agoniado para vendê-la
(não sei se era roubada, mas para George o que importava era
como a máquina seria útil para seu trabalho).
Estava quase realizando de maneira bem tosca o que tanto
sonhara, iria lançar seu livro pela Editora Manaus, a maior do
Amazonas e da região norte. A produção do livro ia durar um mês,
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e a Editora iria fazer todo o marketing que era possível no ano de
1994.