SOLO ÁCIDO
Os verdes desta mata que estou passando
Nem são comparados aos de teus olhos;
Pois são escuros e me levam ao abismo,
E dele me fazem enxergar a ponta do paraíso.
Ao violino vou acompanhando o compasso,
Chegando ao destino de meu desabafo,
Aos poucos chego à tua floresta,
À trilha que irá entregar-me à aresta.
O meu juízo tão silencioso e cálido
Está isolado nos tentáculos do sonho;
Sigo nesta estrada sem rumo algum
Para encontrar-te no que pressuponho
Ser o máximo denominador comum.
Nem Liszt interpretaria este réquiem
Que representava minha agonia,
Nos dias em que a chuva de aço
Marcava em minha pele o encanto;
No solo de ácido caminhava descalço.
Em seguida George pegou de sua bolsa aqueles inúmeros
papéis, que ali poderiam estar só de enfeite. O gerente leu alguns
e gostou bastante, e destacou que George tinha um talento único,
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ficou surpreso com a qualidade dos poemas. Pena que não
poderia ajudar, porque além de o dinheiro ser pouco, ainda não
tinha muitos amigos, nem muitos contatos.
E George continuou a andar, conseguia vender um pouco, mas
agora no valor de cinco reais, vendeu mais ou menos uns quinze
papéis daquele, acumulando setenta e cinco reais, com esse
dinheiro começou a comprar coisas básicas para sua limpeza, e
também cortou o cabelo, uma aparência totalmente diferente,
comprou uma roupa nova em um beco que lhe custou vinte reais.
E continuou a andar, já estava anoitecendo, e George voltou
pelo caminho que havia caminhado no dia todo.
Dormiu no mesmo lugar onde houvera dormido na noite
anterior, e a saudade de Megan estava aumentando cada vez
mais. Como de costume, escreveu na escuridão, com o mínimo
de luz vinda poste, com o máximo de luz vinda do luar, que estava
muito parecido com o que sonhara há dias.
Megan estava presente cada vez mais e mais nas noites de
sono de George, ele que o esquentava, ela que o fazia esquecer
os problemas; logo, a ela viriam todos os versos de amor, todas
as dores e desabafos.
SINO
Dia vazio como o vácuo,
Nada parece soar como deveria,
Falta o colibri da manhã,
Falta o alicerce do que haveria,
Se ao acaso não estivesse afã.
A inspiração escamoteou-se
Nos cantos da insensatez,
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Há um pedaço dos céus aqui
E não sei se existe um sorrir,
Porque no semblante há rispidez.
A estrela cai lentamente
E a saudade declama seu choro,
Nos cantos da saudosa mente
Há um mortífero e eterno estouro.
A chuva esbandalha meu tino,
Um escarcéu de dor nasce
E só desassomar-se-á da face
Quando do silêncio reverberar teu sino.
O sino estava distante, talvez Deus levaria alguém à altura de
Megan para completar o poeta; no meio da noite, George pôde
ver bem no infinito, quase não visto como luz, algo flutuando às
estrelas, e formava uma frase:
EU ESTOU AQUI!
Amanheceu um dia nublado, parecia que os céus estavam com
muita tristeza, e logo iriam chorar amargamente. Nada como um
bom soneto para explicar o que George sentia.
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IRA
Se ao ver-te denotasse-se a ternura
A ti seriam postas as odes fenecidas,
Às gotas das estrelas esquecidas
No pranto da incerteza, que murmura:
− Oh, dor! Se és tu a doce lira
Que põe em meus olhos a perfeição,
Para ver-te nos céus, e na contramão
Da madrugada, da estrada, da vida.
Se para clamar-te na amarga melodia
As vestes perenes da solidão
Desnudarem o sereno opaco.
Entregar-te-ei um oceano vago
Para encontrar no entorno, a ilusão
Desta hora (em que nele) naufrago a ira.
Fez o que teve de fazer para tomar um bom café, mas desta
vez tinha algum trocado para dar, ele não era como o velho
socialista, que quando não tem alguém para sustentá-lo, quer que
o estado faça isso. Aliás George e o Gerente chamado Marcos
concordavam e tinham o mesmo pensamento acerca da política,
conversavam muito, e já que George pagou, Marcos não precisou
mandá-lo fazer o serviço de lavar louça.
Marcos era bem mais velho, e já tinha o cabelo grisalho, tinha
por volta de cinquenta e cinco anos; sua aparência denotava
alguém bem vivido, com bastante experiência. Já George era um
rapaz de dezenove anos que estava na flor da idade, e com seus
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olhos castanho-claro, já tinha vivido muita coisa e já se via
maduro, com muitas responsabilidades, uma delas, sobreviver.
Marcos era viúvo e tinha uma filha de trinta anos que era casada.
Não demorou muito para que Marcos considerasse George
como um filho, e George estava acumulando riquezas, voltava à
noite com cento e cinquenta reais, gastava com o básico; ele tinha
a mesma rotina todos os dias. Em Manaus, por incrível que
pareça, estava sendo menos difícil, pois ele conseguia vender
muito mais que na cidade onde estava antes.
George também conseguiu um emprego para lavar banheiros
e cuidar da parte da limpeza em um supermercado, e fazia esse
serviço pela parte da tarde começou a ganhar um salário bem
básico, cerca de duzentos reais por mês; há três dias George está
trabalhando nesse supermercado.
No final de semana, George foi jantar em um lugar melhor,
nessas bancas de esquina. No meio da refeição, como de
costume, a inspiração chegou.
O LAÇO
O laço que prende a razão,
Sublime calma e obscura,
Leva ao peito o desgosto da clausura
Alçada dentre os sóis do coração.
Uma intensa luz vive distante,
Perdida nos trilhos do silêncio,
Pedindo à escuridão um lenço
Para enxugar seu sentir errante.
Se dos céus nascer a aurora sem vida
Hei de pousar em meus instintos
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A primeira fonte que clama por saída.
E esconder no vapor da melodia
O arrebol que me introduzia ao choro
Quando na ignorância, chafurdava-me um dia.
Nada como um bom soneto para terminar a noite, às vezes,
até no meio de seu expediente parava um pouco e escrevia num
papel higiênico alguns versos. Apesar de ser difícil, apesar de a
vida parecer ser muito dura com George, o trabalho lhe tirou da
tristeza profunda, agora ele estava apenas triste mesmo.
Nada de se vitimizar, George no mês seguinte conseguiu uma
pensão para morar, era simples, mas era digna para o começo da
sua vida. Ele era alguém que se destacava no trabalho, todos
gostavam dele, e algumas moças que iam fazer compras fixavam
o olhar no poeta, melhor agora que ele não parecia um mendigo
(como era).
E o poeta estava conseguindo juntar novecentos reais por mês,
com as despesas caía esse valor para quatrocentos e oitenta, e
desse montante, o poeta guardava cento e cinquenta em seu
cofre e usava o resto de dinheiro para comprar algo que estava
precisando.
Imaginava-se em uma ilha, ilha esta destacada nesse poema:
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A ILHA
Parado sob a bruma do infinito,
Areia pairando nas costas do mar,
A névoa sangrando em forma de amar
Para que o amanhecer fique mais bonito.
Se para as cinzas de um novo rito
Houver a pedra alçada pelo choro,
O horizonte sairá de seu coro
E ecoará sua tez sob o grito.
No alvorecer do pranto, uma sombra
Que leva à trilha da maré tácita,
Engrenando-se às correntes solitárias.
Na augusta e serena aurora ária
Como a doce estrada de selenita,
Há nesta ilha a contramão que assombra.