Certo dia o ônibus estava saindo para a capital, George
resolveu embarcar nessa aventura; escondido, esperou na parte
de trás do ônibus por quatro horas, passadas as quatro horas
parou em um deserto rodoviário; talvez uma das rodoviárias mais
feias dos tempos.
George pegou sua triste mochila velha, soube que abandonou
sua casa, sua terra onde parou aos dez anos (não foi de metrô),
e ajudaria a aumentar ainda mais a estatística de moradores de
rua de Manaus, no Amazonas.
Algo teria o chamado para partir, ele tinha em sua mente que
tudo daria certo, e que logo estaria de novo naquela imensa
barca, naquele deserto e naquela praia, mas na vida real; a
Megan apareceria em algum lugar e o abraçaria, e sairia do plano
metafísico para o físico.
Lembrando-se de Megan, George rabiscou o que vivera, em
pensamento:
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O QUE DIZ O ENCANTO
Transpasso a serra do encanto,
Esmoreço ao cais de seu cálice,
Transcrevo a queda sobre o riacho
E esboço seu sentir como álibi.
Álibi de meus instintos arrebatados
Nas montanhas de meu sumo ferido,
Tuas profundezas de vazios arraigados
Afogaram-me na cortina do riso.
Avisto sobre os céus a amarga rocha
Que caiu sobre minha alma perdida,
Escamoteou-se nas silenciosas auroras
Que constroem cada destino da vida.
O peso sobre minhas costas cedeu
E te pôs sob minha vista escurecida;
Quando foste acorrentada em meus braços,
Olhaste lentamente, e lapidou-se um ósculo.
Estavas sobre a pluma das cavernas,
Sobre as nuvens da própria polidez,
O codinome da envergonhada amizade
Passaria pela metamorfose em rapidez.
Amo-te como o sol ao iluminar a terra,
O futuro te dirá o eco deste sentimento,
Talvez, sendo sincero não há mais tempo,
Pois as correntes de ar aprisionaram-me.
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O frio consome meus despedaçados versos,
Tire-me daqui com o sopro de tua fúria,
Reverbera meu céu o pranto e a lamúria
Sob o solo de tua estrada nos ecos.
O codinome da envergonhada amizade
Passará pela metamorfose da ilusão.
Agora, sempre fazia alguns versos Megan, bem interessantes,
como:
A FLOR DO OCEANO
Esta poesia dedico a uma flor
Que conheci nas paragens da juventude,
Uma flor que deu sentido ao meu,
Que deixou ao ar um gosto amiúde.
A esta flor li alguns versos metonímicos,
Que realçaram em palavras o que sentia,
Seus olhos brilhavam como a esmeralda
E em sua escuridão perdi-me à primeira vista.
Sabes que és o que sempre pedi,
A mistura do deserto com a floresta,
Com o aço e o fervente colibri,
A tempestade e o doce sorrir.
As canções profundas a ela plantei,
Pus o amargo mel em seus lábios
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Junto a um ósculo impetuoso,
Sua pureza guiava-me às profundezas.
Pude ver-te no horizonte de minh’alma,
Eras a metade de meu perdido céu,
E a chuva a cada dia te dava mais beleza,
Sou um invisível beija-flor conquistando-te.
Estiveste dentro de meus profundos versos,
Teu abraço é a pluma que permeia os campos,
Teus toques são como a neve na ventania,
E teu solstício é o auge do glorioso pranto.
Sentir que estás aqui é o que me guia,
Meu ímpeto cata-vento encontra tua ventania,
A agonia desaparece com seu olhar,
E o futuro se realiza nesse presente que és.
A melancolia de teus passos límpidos
Ajudam-me a viver em dias cataclísmicos,
És o vapor que me leva ao ápice das nuvens,
E acima dela tu és meu sol e meu oxigênio.
Esta poesia dedico a uma flor,
Sem ti nada vale a pena senão a morte,
A esta flor faço alguns versos hiperbólicos,
Psicodélicos, a ela plantarei meu destino.
És a aurora e o silêncio de meu oceano.
O dia amanheceu e George estava jogado em uma calçada
qualquer, absolutamente destruído por fora, mas por dentro
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estava feliz, pois tinha sonhado com seu grande amor, no mesmo
lugar onde a conheceu.
À sua frente estava um lugar diferente, uma cidade grande,
muitos prédios, inúmeras pessoas andando nas calçadas, muitos
carros nas ruas, uma realidade totalmente fora de si, já que ele
tinha visto. Pegou sua mochila, e se preparou para mais um dia,
parou em uma panificadora e pediu um lanche, em troca ele
poderia fazer qualquer serviço; ele ficou encarregado de lavar as
louças num intervalo de duas horas, e conseguiu conversar um
pouco com o gerente do estabelecimento. O gerente não estava
entendendo nada, e começou a indagar George sem parar:
— De onde você veio? — perguntou o gerente.
— Você não vai acreditar se eu lhe contar. — respondeu
George.
Mas o gerente insistiu, e George contou tudo que estava
acontecendo, claro, sem citar as loucuras que inventava. O
gerente gostou muito dele e resolveu lhe dar a oportunidade de
fazer aquilo todos os dias, ele tomava café e pagaria desse jeito.
Ele ainda não tinha acreditado que aquele rapaz tão novo que
morava na rua era poeta e escritor.
— Eu não acredito que você seja poeta, quero uma prova
disso. — provocou com bastante rigidez.
— O que posso fazer para lhe convencer? — perguntou
George, com inocência e pensando no que poderia fazer.
— Bem, faça uma poesia agora para que eu possa ver se é
verdade ou mentira. — respondeu o gerente com bastante
cautela.

 
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