O que era interessante na mente de George, era que
absolutamente setenta e cinco por cento das coisas não existia
de fato, esse era o principal vazio, a vida era muito injusta (como
sempre é), ele nada poderia fazer, estava com muita fome, sem
amparo nenhum, não era ouvido, não tinha nada além das suas
poesias, quem lhe acompanhava era um pedaço de papel.
Sua imaginação era muito fértil, na sua cidade não tinha nada,
a cidade das pedras era um interior muito distante de Londres,
aliás nem na Inglaterra ele estava, estava no Brasil, sendo esse
o país que ele descreveu anteriormente, a valorização da cultura
torpe, da sexualização.
Era muito comum para ele, ser chamado de retrógrado, de
infinitas adjetivações pejorativas no lugar onde ele morava, que
aliás tinha uma péssima administração. Ali, ele não tinha
esperança nenhuma, a única coisa que tinha era desgosto de
estar em um lugar tão belo, e ao mesmo tempo tão acabado pelo
abandono de quem deveria se importar.
Mas mesmo assim, George preferia ir mais distante, e nunca
parou de escrever, não importa o que acontecesse, não importa
a dificuldade, sempre continua a escrever. Tendo como base
essa característica, George parara para refletir um pouco,
estarrecedoramente acabado, porém lúcido ao ponto de em sua
mente haver uma nova poesia.
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ACALANTO
Em algum lugar do paraíso
Há uma parte de mim (escondida)
Sob a sombra das árvores,
Sob a luz das eternas flores,
Há retalhos da poesia esquecida.
Em algum lugar do paraíso
Caminhei ao acordar nesta manhã,
Na pluma da melancolia afã,
A beleza nas lágrimas do riso.
Caminhando sobre os anagramas,
Pairando sob a vertigem da eternidade,
No canto a ventania e a vaidade
Naufragando o arco-íris do sublime pranto.
Como se a agonia estivesse no manto
Do sentir que completa a verdade,
Os véus são os céus do acalanto,
Nos cantos, a pétala da ambiguidade.
Em algum lugar do paraíso
Há uma ilha com passagem ao horizonte,
Como uma floresta que em suma esconde
Uma trilha que induz a um invisível aviso:
Em algum lugar do paraíso
Há uma parte de mim (escondida)
Sob a sombra das árvores,
168
Sob a luz das eternas flores,
Há retalhos da poesia fenecida.
Era muito importante para ele, continuar a escrever, escrever
é o seu combustível, o ápice do fundo do poço foi quando ele
acordou naquele hospital e percebeu que não havia ninguém ali
com ele, apenas seus personagens.
Talvez doesse menos para ele estar na Inglaterra, estar com
Megan, estar com o Senhor Beethoven, estar fazendo negócios
com a Editora Winston; por mais que parecesse ficção, para ele
era muito importante, para ele era o motivo infinito da existência,
por mais que quando voltasse para si a dor aumentasse.
Não ter ninguém em uma cidade desconhecida é muito mais
difícil do que se parece. E interessante era observar a hipocrisia
de muitos ali, principalmente quando se falava de desigualdades
sociais, resumindo, aplicando o socialismo como observação do
espaço à volta; tudo tem a luta de classes no meio.
É importante saber que George tinha momentos de tristeza,
momentos com crises, e momentos críticos, momentos onde
gostava de falar sobre política, tanto é que resolveu escrever
sobre desigualdades.
DESIGUALDADE
Hoje irei falar sobre desigualdades sociais ou econômicas, tão
presentes em todos os cantos da humanidade, que de mentiras
mil vezes repetidas tornando-se verdades, tornaram-se clichês,
que de tão cansativos igualaram-se ao pueril vácuo de um saber
tão tosco e raso. Fico assustado com o imenso grau de
mediocridade que há neles.
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Pigmentos na ilusão me informam
Que o que há de pior pode piorar,
Que alguns têm mais que outros,
Culpa do sistema que visa escravizar.
Como um pássaro que foge do lar,
Muitos fogem de sua consciência
À procura da justiça social
Pautados na sublime demência.
Ao indagar-se estes seres de luz
A milésimos de centésimos de segundos,
Visto que são detentores da bondade,
Há inveja e desprezo à prosperidade.
A hipocrisia caminha em seus atos,
Repetem tanto a mesma falácia,
A igualitariedade é um ímã
Uns serão, pela história, mais iguais.
Não há senso nesta pseudoigualdade,
Antes ser desigual e livre que o contrário,
Mesmo que as flores durassem para sempre
Morreriam, pois nada pode ser imortal.
Todos podem receber a mesma quantia,
Porém a de alguns acabará mais rápido,
É questão de análise sem repetição,
Questão de combater o senso do fracasso.
Vi sob meus cansados olhos gentis,
Num lugar onde a liberdade existe,
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Pobres têm mais que aristocratas medievais,
Mas neste submundo o que importa é dividir.
Meu responsável em áreas colossais
Não é o estado, mas sim a sabedoria,
Irei gerar (como o sol) a iluminada chance
A quem quer realmente crescer e multiplicar.
Aqui nesta rodovia sublime e estreita
Entrei à direita na encruzilhada do mundo;
Combaterei os inimigos da ignomínia
Para não sobrar apenas o algoz sepulcro.
Espero que tudo esteja claro como água de rocha, que da
escuridão alguém possa ver uma luz no fim do túnel de si mesmo,
sem os clichês enjoativos que eles impõem à sociedade, que da
intelectualidade apenas há de restar (no último caso) o direito de
ser fracassado.
Uma análise um pouco marcante, e ele queria ser lembrado
justamente por isso, não queria ser alguém fracassado, não
queria simplesmente culpar os mais ricos pela sua situação
miserável, queria ser um poeta conservador, e sempre buscava
se informar antes de ter qualquer opinião.
Realmente tudo estava muito difícil, a maioria das pessoas não
conversava com ele, e sim, ele vivia em uma casa abandonada e
já tinha dezenove anos; muitos não queriam lhe dar emprego,
pois queriam melhores aparências, não tinha nada a ver com
preconceito, mas um conceito.
Não seria interessante para qualquer pessoa, dar oportunidade
a quem pode não dar resultado nenhum. George se virava como
podia, sempre que possível, conseguia vender por dois reais um
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amontoado de dez poesias que colocava em uns cinco papéis
frente e verso.
Superdesvalorizado, porém lhe ajudaria a juntar uns trocados,
e serviria também para divulgar seu trabalho. As pessoas
geralmente ficavam surpreendidas com os versos de George, se
emocionavam ainda mais com um poema em específico.
Ele muito poderia fazer pela cultura, mas estava amordaçado
pelas aberrações, em qualquer país sério já conseguiria ter
lançado seu livro, só não conseguira ajuda onde morava porque
as autarquias políticas não concordavam com seu viés direitista,
aliás o próprio prefeito era a insignificância personificada uma
pessoa.
Era irônico que tinham infinitas crateras nas ruas, muitos
problemas no hospital, tudo estava péssimo, mas o dinheiro para
o pão e circo não faltava; isto não está muito em discussão em
suas obras, George criticava tudo isso, mas ideologicamente
combatia ainda mais, porém não tinha visibilidade, apenas vivia
em uma casa abandonada, e trabalhava (não pedindo), mas
vendendo seu simples produto, ou fazendo alguma coisa que
retribuísse algo.
A poesia que mais as pessoas que resolviam comprar
gostavam, era de um tom sentimental, algo a ver com a morte, ou
o que vem antes dela.
PRELÚDIO DA MORTE
O vento diz ao abismo
Que se aproxima a tempestade,
Nos olhos da triste madrugada,
Amarga, sem estrelas, sem piedade.
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Uma leve sombra se aproxima
E traz o passado num espelho
Refletido nos céus da alma,
No véu do mais profundo desejo.
O trem está distante na escuridão
E a próxima estação está chegando,
Uma lágrima desenrola pelo oceano
E deságua nas vestes do tempo.
Tudo que resta é a despedida,
Com a entonação da ventania,
E umas palavras ditas ao eco:
Não sinto o chão sob meus pés,
A agonia disse-me que a tristeza
Passará na outra estação.
Como se a beleza dos prantos
Formassem as cachoeiras
Plantadas ao som da perfeição.
A tempestade chega sem medo,
A sinfonia do pranto sobe ao infinito
E se perde sob o silêncio de um grito
Da aurora que destrói o canto da dor.
Descerra-me dentre o solo casto
Que entre sombras deu-me paz,
Como se para ser feliz fosse capaz
A polidez de encontrar o incolor rastro.
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O prelúdio da morte está reconstruído,
Sobre a vereda da incauta rodovia,
As circunstâncias são dadas após a curva,
Turva ou límpida; finda, rasa ou superficial.
A sua solidão era tão imensa, que às vezes nem ele mesmo
era capaz de se acalmar, de pensar em dias melhores, de refletir
sobre seu dia; era importante agradecer (e ele agradecia), mas
era muito difícil manter o sorriso após perceber que tudo está
desmoronando ainda mais.