A incógnita pairava sobre o solo casto da mente do jovem
poeta, um sussurro dizendo sua frase, soando versos em seus
ouvidos, a aurora da inspiração colhendo seu pranto traduzia sua
doce maneira de imaginar o futuro.
Ao término de sua oração matinal, avistou que a tez da manhã
tomava assento na praia, já com dezoito anos e com o seu quarto
reformado na velha casa abandonada. Imaginou-se na praia, com
aquelas ferozes ondas osculando as areias, com aquela
imensidão que levava a algum lugar, e Megan estava ao seu lado
refletindo e fazendo metas para o futuro, e dos pensamentos do
horizonte surgiu um rugido ensurdecedor da poeira que se
escondia nos cantos da imensidão, e acima das nuvens surgia
uma dúvida, incomensuravelmente fundada e pautada na
existência, após a imaginação os versos foram se formando nas
areias por meio da ventania, a poesia escalava sobre as pedras
irradiantes, reverberando:
ACIMA DAS NUVENS
As cinzas do oceano sombrio
Resgatam o que ninguém vê,
Acima das nuvens há um paraíso,
E mais acima, um lugar para se viver.
Um lugar onde não há escadarias
Que nos levam à destruição,
Além do horizonte há um abismo
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Que carrega em si o vazio.
Carregam em si a solidão,
As pedras do luar sangrento
E a dor dos versos de lamento;
Há uma névoa que encobre a escuridão.
A escuridão é muito bela,
Porém ríspida e superficial o suficiente
Para reter as lamúrias do obscuro da noite
Em suas comportas invisíveis e internas.
Portanto a luz desmancha suas vertigens
Arraigadas sob o comando da ignorância;
Acima das nuvens há um lugar sereno,
E em tempo, há de se conseguir a ressonância.
Ressonância que vaga pelo vale da morte,
Porém certa de que a verdade lhe acompanha,
Perene, do lar se despede um pouco tensa,
Certa de que alguém só poderá vê-la
Após escalar a intensa e algoz montanha.
Como tudo está fadado ao fim,
Nada fará sentido se do nada surgiu;
Pois se do nada o tudo veio,
Como o tudo não leva a nada?
Como num leve suspiro a vida está acabando,
Pegue meu doce sentimento reciclável
E vejas se o que vejo é o que devo sentir,
Sentirei o que puseres em minha alma amarga.
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Porque além do horizonte avistei uma ilha
Onde posso viver em meu mundo de fantasia,
Porém a fantasia me entregará à autodestruição,
Chegarei acima das nuvens com os pés no chão.
A ressonância rasgou minhas vestes,
E sem vida pude ver que tinha mais sentido
Viver no que alguns chamam de paraíso,
Do que viver completamente perdido.
Nunca se esqueça que o esquecimento
É resultado de uma insaudade insurgida
Entre a metáfora e um paradoxo
De um tempo que não viveste direito.
Navegando entre o mar no sol,
Arrebol acorrentado de incerteza.
Sim, a vida é muito incerta, assim com a incerteza do que se
tem, olhando por baixo, acima das nuvens; quando chegamos
acima delas, apenas há uma infinidade acima de nós, e elas ficam
ali embaixo sorrindo para nós, quando criança pensava que eram
feitas de algodão, ou que dava para caminhar e dormir nelas,
porém como sempre a vida faz, respingou em mim uma gota de
realidade, metaforizada nos desafios, pois como tudo é incerto,
não há como ter a certeza de que tudo vai dar certo, ou que tudo
vai dar errado; o que resta aos seres mortais é a tentativa, viver
intensamente cada dia, pois um desperdiçado pode representar
o fim; estes fatos estão evidenciados neste poema, não de
maneira explícita, mas de maneira profunda.
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Era uma época ótima para George, todos os dias uma poesia
era feita, alguns eram fartos e poderiam contar com até três
poemas, apesar de muito cedo para a comemoração de seu feito,
o jovem estava voltado para a realidade, pois seu livro não estava
fazendo muito sucesso, foram vendidos metade das obras da
segunda edição, ao todo três mil e quinhentos exemplares
vendidos (já contando com a primeira edição).
No início parecia que estouraria no país inteiro, e ele até
chegou a imaginar que isso tinha acontecido, mas na realidade
nada aconteceu como planejado, um fracasso pela metade, ele
estava desanimado, meio desolado, porque por mais que ele
estivesse forte por fora, o fato estava lhe acabando por dentro, a
esperança estava diminuída, pois ele sabia que os que
compraram seus livros foi por influência da Editora Winston, então
ele praticamente não tivera tanto protagonismo nesse processo
de chegada à literatura.
George estava angustiado, sua alma estava doente e nem ele
sabia o porquê de tanta tristeza, porque aquilo o afetara tanto;
não tinha ninguém mais experiente para aconselhá-lo, Megan
estava sempre ao seu lado, até dormia com ele, praticamente
moravam juntos, mas tinha um vazio que continuava dentro dele,
não tinha nada a ver com aquilo que vem logo ao pensamento
como repetição, não era a vida amorosa quem o estava afetando,
era uma crise que se arrastara em seu peito, a tempestade caía
e o machucava, as lágrimas labutavam em seu semblante a cada
manhã.
O objetivo não havia sido alcançado, o dinheiro que o Senhor
Beethoven tinha lhe dado já tinha acabado, ele teve que arcar
com algumas despesas do prejuízo com a editora, tudo estava de
cabeça para baixo, a única coisa que lhe mantinha em pé era
Megan; ele até sumiu das poucas vezes em que aparecia na
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imprensa, e já se passavam oito meses, já estava completamente
esquecido, era como se não tivesse lançado absolutamente nada.
Agora provava a amargura do anonimato, e podia perceber que
tudo era imaginação, que tudo foi um simples sonho, que tudo
não passou de uma ilusão; há poucos meses caminhava na rua
e um caminhão o atropelou impiedosamente, todo esse tempo ele
estava em coma profundo; não estava acreditando, entre todas
as ilusões ou sonhos, esse tinha sido o pior, o mais verdadeiro.
Megan estava sentada naquela cadeira de hospital, e se
surpreendeu ao ver George acordado, com os olhos cheios de
lágrimas, desolado, como se algo totalmente devastador tivesse
passado em sua cabeça.
Os dois se abraçaram e choraram bastante, George por não
ter lançado livro nenhum e por tudo que passou ter sido um
simples engodo; Megan por ver que o amor da sua vida estava
vivo.
Havia uma parte dele que estava em si, e que tinha esperança,
essa parte significava uma parte de sua razão, ela quem lhe deu
uma inspiração para escrever um poema que pode ser
considerado um conforto, um alento, um acalanto, todas as
significações possíveis para cicatrizar um pouco daquele vazio
que o preenchera parcialmente neste instante.
ESCRITOS SOBRE A TEMPESTADE
Registro aqui no aço de minha alma
O pedido que fiz sobre o pranto,
Hei de ver flores no escasso deserto,
Hei de ver a ferida curar-se ao incerto,
Hei de ver o destino achar teu manto.
Ó deus, dê-me o gosto de realizar
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O sonho que do peito me curou,
Hei de ser aquilo que planejaste,
Hei de ser inquebrantável ao amar-te,
Incomensuravelmente, como o hábil labor.
Tire-me do semblante o temor,
Dê-me coragem para enfrentar a falsidade,
Diga-me para onde devo caminhar
E não solte minhas mãos quando eu tropeçar,
Nos céus as trevas seguirão em tempestade.
Porém não atingirá a mim em lealdade,
Pois de minha mente sairá o compasso,
Derradeiro, que derramará minha prole,
Onde quer que a tristeza porventura assole,
Que fecundará à razão o primeiro passo.
George vivia agora uma verdadeira crise de existência, não
sabia o que fazer, era como se o único objetivo pelo qual ele
devesse passar estivesse morto, ele sabia que era incoerente,
que não fazia parte do que ele acreditava, porém como todo
mortal ele também tem o direito de ficar triste.
Pois é assim, tudo é triste e sem esperança nenhuma, George
flutuava sobre sua profunda dor, e para simplesmente descrever
aquilo que passou a ver ao acordar, resolveu escrever seu poema
‘raio’:
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RAIO
As lanternas do céu
Estão ligadas no horizonte,
As montanhas nos montes
Flutuam no amargo véu.
A cortina de vento está
Refletida no espelho do medo,
Em seus olhos está o enredo
Onde quando criança queria estar.
Achei que era possível
Andar sobre as doces nuvens,
Mas em seu solo há a ferrugem
Que nos derruba ao impossível.
Quando tudo está em pranto
Seu semblante fica iluminado,
Sua tez tem um tom mistificado
Que se esconde nos cantos.
Portanto, a escadaria íngreme
Leva-me às profundezas dos sonhos,
Triste, calmo e às vezes, risonho;
Às vezes frio, acorrentado e sem vida.
Porém com a esvaziada ida
Pude tocar em seu semblante,
Era como se fosse um diamante,
Mas depois estava sem saída.
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As lágrimas das nuvens
Afogaram-me no findo infinito,
No raso oceano em chamas,
E um raio pousou, acordando-me.
Não havia descrição melhor, nas gavetas perdidas na velha
casa de George, encontravam-se diversos papéis, e uma das
principais dores era que nenhum poema feito nos sonhos poderia
se materializar no plano real.
Estava no fundo do poço, sem dinheiro, e algo não evidenciado
aconteceu: Megan não estava ali, era apenas sua imaginação o
tempo todo, o Senhor Beethoven partiu sem deixar nada, George
costumava sempre inventar um universo paralelo para sofrer
menos, estava quase com depressão e o que lhe ajudava era os
personagens que ele inventava.