Há um comboio de gritos internos
Que vagam pelo meu peito de poeta
Junto com as cinzas do primeiro amor,
Rodeando o véu de rodovia inepta.
A cada esquina há um bar cinzento
Onde os bêbados desabafam as dores
Como a quem soluça perante o vento
Pela volta de seus juvenis amores.
A cada esquina há uma mulher solitária
Que vende até a alma por alguns trocados;
Há também um homem em fome árida
E os seus filhos a chorarem isolados.
O poeta vê esses detalhes abismáticos
Na noite de fogo a quase consumir
A saudade de seu amor que não existe,
Quando do semblante há mais o que exaurir.
A cada esquina há um coração doente,
Um coração ignorante a chorar cansado
Por dias onde a ilusória tarde poente
Enganou seu frágil sentir insensato.
Há alguém a chorar de amor nesta noite,
Mesmo que o nunca tenha sentido;
Há quem se entregue por um momento,
Há moças que matam o próprio filho.
A cada esquina há um florista triste,
Pois a rosa que vendia aos cavalheiros
Tornou-se retrógrada no mundo moderno,
Junto aos poemas que construíam veleiros.
A cada esquina há um escritor falido
Porque passou-se a época de inverno
E há quem o menospreze por ter lido
O próprio tempo, a cada inferno.
Ah! E eu sou expectador da vida
Sentado à varanda d0os meus sonhos,
Tenho sempre uma frase esquecida
Para completar os pensamentos risonhos.
Pois a cada esquina há uma escola real,
Há o trabalho que muitos não sabem
E os negócios que muitos não lucram
E os vícios que muitos insistem, invadem.
Há sempre um aprendizado a ensinar,
Assim como o poeta que vê quase tudo,
Assim como a inspiração passa a escrever
O sofrimento e a tristeza e o delírio do mundo.
A cada esquina há uma amante escondida,
Há quem subtraia o que não é seu
E quem os defenda perante a falida lei;
Há pão e circo à mente bela e fenecida.
A cada esquina há uma televisão ligada
A contar as mesmas mentiras velhas;
A cada segundo há uma estatística falsa…
Como é agitada a análise de um poeta.
Há uma ironia a cada prato escolhido,
Há alguém sendo algemado e preso
Por criticar um mero ser humano
Endeusado pelo próprio ego num sineiro.
Há quem mude de pensamento
A cada segundo por próprios interesses,
E há quem se alimente do próprio ódio
Como fonte de verdade, dóceis enfeites.
E o poeta sempre vê além da cortina…
Não quero uma lágrima em pálpebra demente
Quando partir deste mundo tão perdido,
Ainda há como ter um passamento no poente.
Há um comboio de gritos internos
Que vagam pelo meu peito de poeta
Junto com as cinzas do primeiro amor,
Rodeando o véu de rodovia inepta.
E agora: como irei viver?