Serei sempre a lembrança de algo que poderia ter acontecido, o verso da versão mais bonita de um poema inacabado, as lágrimas de um dia nublado com as cinzas do pôr do sol na rodovia do silêncio.

Serei sempre um beijo regado pela flor do mel invisível, o garoto solitário que se enche dos próprios vazios que são mais profundos que o alto-mar da tristeza; sempre revestido dos mistérios que nem sequer são secretos, apenas sublimes.

Serei sempre aquele poeta que traduz almas, mesmo que elas não tenham vontade de existir e que estejam projetadas no interior de seu sofrimento; eis que esse sofrimento também habita na alma de quem entende o outro, mesmo que o outro não se entenda.

Há uma ríspida vertigem em teus olhos, nos olhos solitários de meus sonhos. Há no incolor das nuvens, no gosto insípido das águas, a doce amargura de um museu fadado à saudade.

Às vezes existo demais, e acabo por sentir demais a frieza de um toque inexistente. Ergo-me então nos castelos rubros da introspecção fantasiosa da loucura, e louco, reato memórias de quando nem sequer existia.

Haverá o dia em que me afogarei no oceano da madrugada, e sob os lençóis do ar, deixarei de existir como humano. Serei assim, tão completamente assim, com melancolia e ardor, a eternidade presente na brevidade dessa existência.

Serei sempre a lembrança de algo que poderia ter acontecido, mas que por algum motivo tornou-se mais um capítulo no diário do poeta solitário; o diário que ninguém vai ler, mas que existe no interior de quem também se sente assim.

 
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